Folha de S. Paulo


E se 'tipo' não for bandeira de pobreza vocabular, mas marcador sofisticado?

JackF/Fotolia
Jovens conversam em praça; linguagem identificada com a juventude costuma receber críticas injustas
Jovens conversam em praça; linguagem identificada com a juventude costuma receber críticas injustas

Tipo, "tipo" é tipo imbatível na hora de determinar aquilo que mais, tipo, enlouquece pais e professores na linguagem tipo "jovem", se bem que já tem tipo décadas que as pessoas falam tipo assim.

Ressalvada uma provável cintura dura de tiozão, o parágrafo acima é fiel a um modo de falar que, identificado com a juventude, costuma receber críticas injustas. Esta coluna propõe suspender o juízo de valor para entender melhor o que está em jogo.

Não se trata de defender um modismo. Sim, eu também implico com ele e vivo chamando a atenção da minha filha adolescente para a repetição excessiva de "tipo".

É natural a impressão de que, sem uma poda regular, o mato pode tomar conta do jardim.

Também é verdade que toda repetição insistente incomoda quando prestamos atenção nela. Já houve ocasiões em que muletas como a do "meio que" –de grande sucesso entre intelectuais– e a do "assim" me deram a mesma sensação.

A diferença é que, não carregando marcas geracionais tão claras, nenhuma dessas formas apanha tanto. Apontar a chatice potencial dos cacoetes verbais aos ouvidos do próximo é a crítica mais razoável que pode ser feita ao uso informal de "tipo".

O que não faz sentido é dizer que as pessoas falam assim por lhes faltarem palavras e ideias –isto é, por serem tapadinhas. Ou afirmar que a palavra é um indeterminador pastoso que revela a dificuldade das novas gerações para declarar algo com firmeza: nada seria exatamente assim, mas sempre "tipo assim".

Também é comum ouvir que "tipo" é só entulho, que não tem papel algum no discurso além do de chiclete vicioso. Que bastaria suprimi-lo e teríamos o mesmo sentido, agora com a vantagem do polimento e da economia.

Tudo isso é (tipo) bobagem.

Comecei a pensar em nosso "tipo" ao ler na revista "The Atlantic" um ótimo artigo do linguista americano John McWhorter sobre "like". Não o verbo ("gostar") ou a preposição clássica que indica semelhança ("como"), mas o "like" jovem, onipresente, que pais e professores abominam.

Tipo "tipo". Os casos de "like" e "tipo" têm semelhanças demais para que sua ocorrência simultânea seja só coincidência. Não sugiro que haja no modismo do "tipo" uma influência de "like". É mais provável que o substantivo português e a preposição inglesa –que partem de lugares semelhantes, usados em analogias– tenham desenvolvido seus novos papéis paralelamente, respondendo a necessidades parecidas.

McWhorter observa que só em certos casos "like" traduz hesitação –que pode ser também uma forma de delicadeza. Em outros, enfatiza. Em outros ainda, antecipa a reação do ouvinte e reage previamente a ela.

Isso faz de "like" –e de "tipo"– um marcador discursivo, aquele tipo de elemento que dá coesão aos enunciados e por meio do qual o falante toma posição em relação ao que diz. Ou seja: por trás de sua coloquialidade irreverente, o multifuncional "tipo" é tão sério e útil quanto "por assim dizer", "por incrível que pareça", "sem dúvida", "a saber", "isto é" etc.

Vou mais longe. Em vez de tornar o enunciado pastoso, traduzindo insegurança, é como se "tipo" solicitasse a cumplicidade do interlocutor no reconhecimento sofisticado de uma série de padrões sociais de relação entre palavras e coisas. A inteligência de sua função metalinguística merece ser mais estudada.

Mas que o pessoal abusa, abusa.


Endereço da página: