Folha de S. Paulo


1967 já era 1968

AFP
Carros virados em rua de Paris, durante os protestos ocorridos em maio de 1968
Carros virados em rua de Paris, durante os protestos ocorridos em maio de 1968

RIO DE JANEIRO - As editoras brasileiras se preparam para uma efeméride-monstro em 2018: os 50 anos de 1968, o ano que, sob vários aspectos, dividiu o século 20. E, à falta de melhor referência, concentrarão seus lançamentos em maio -por causa do "maio de 68" em Paris. Foi o mês em que estudantes e operários pararam a França com passeatas, batalhas contra a polícia e greves nacionais, com uma vasta agenda de reivindicações que poderia ser resumida no protesto contra o autoritarismo. Mas essa comemoração ficaria bem a partir de qualquer mês.

Os teóricos do "maio de 68" gostam de acreditar que ele provocou movimentos semelhantes nos EUA, Alemanha, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia. Mas não foi assim, nem cronologicamente. Os jovens daqueles países também se levantaram contra o poder, mas cada qual numa época —alguns já em 1967— e com agenda própria. Os americanos, por exemplo, lutavam contra a guerra do Vietnã; os do leste europeu, contra o garrote soviético.

O Brasil não tinha importância para ser notado pelos observadores da cena internacional, mas nosso 1968 foi tão feroz quanto o francês e, como outros, também começou em 1967. O mote era a luta contra um projeto de reforma do ensino imposto pela ditadura, daí os confrontos quase diários de rapazes e moças com a polícia, no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte etc., já naquele ano. Não sei onde ainda achávamos tempo para namorar, torcer nos festivais da canção e assistir aos filmes de Godard.

Certo, 1968 teve fatos marcantes, como a morte do estudante Edson Luís pela polícia, em 28 de março, a famosa Passeata dos 100 mil, em 26 de junho, e a queda do incrível congresso da UNE em Ibiúna, em outubro. Qualquer dessas datas poderia caracterizar nosso 1968.

Mas, para mim, 1967 já era 1968, e estamos atrasados na comemoração.


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