Folha de S. Paulo


Matéria putrefata

RIO DE JANEIRO - Por que temos de pagar tal preço por tanta beleza? Há na avenida Atlântica, em Copacabana, na altura do Posto 5, entre as ruas Sá Ferreira e Souza Lima, uma construção que abriga uma estação elevatória de esgoto da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). Em dias quentes, como os deste verão, os gases provenientes da decomposição de matéria orgânica bombeada pela estação se desprendem e o mau cheiro toma aquela quadra da praia. É assim há 40 anos, motivo pelo qual o carioca, não é de hoje, apelidou essa construção de Monumento ao Cocô.

É como se o fedor fizesse parte da paisagem, tanto quanto os hotéis e restaurantes que povoam o quarteirão e, estranhamente, não parecem ter seu movimento afetado. Mas, um dia, em 2009, alguém se incomodou e prometeu acabar com o cheiro: o então governador Sérgio Cabral, em seu terceiro ano de mandato.

Cabral chamou os engenheiros, contratou estudos e anunciou os planos. Um sistema de controle iria encapsular os gases e encaminhá-los a um processo de lavagem química que passaria, primeiro, por um sistema alcalino, depois, por hipoclorito e, finalmente, pelo carvão ativado. Ao fim do trabalho, a elevatória estaria purificada e não só não cheiraria mais a cocô, como passaria a despejar essências de jasmim e eucalipto.

O trabalho começou e, de fato, a coisa melhorou. Eu próprio passei a respirar fundo diante do Monumento, celebrando a vitória do homem sobre o cocô. Mas, em pouco tempo, a fedentina voltou –discreta a princípio, depois, avassaladora. É como estamos até hoje.

É irônico. A fonte do mau cheiro é uma elevatória da Cedae —a mesma Cedae que agora precisou ser privatizada para ajudar a salvar o Estado do Rio da falência, provocada, entre outras, pela corrupção e pela matéria orgânica putrefata do governo de Sérgio Cabral.


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