Folha de S. Paulo


Viagem a 1866

Reprodução
O escritor Alexandre Dumas, fotografado por Nadar
O escritor Alexandre Dumas, fotografado por Nadar

RIO DE JANEIRO - Outro dia, em busca de determinada informação, caiu-me às mãos um calendário de 1866. Por força do hábito, examinei-o pelo avesso e descobri um panorama encantador. Como todos antes dele, foi um ano cheio de domingos. Nasceu e morreu gente. Declararam-se guerras e fizeram-se as pazes, não necessariamente nessa ordem. O barco a vapor, o telégrafo e a fotografia eram as grandes novidades, e já havia no ar um xodó pela tecnologia. Mas não adiantava: aquele mundo de 150 anos atrás continuava predominantemente literário.

Eram tempos em que, flanando pelas grandes cidades, os mortais podiam cruzar com os escritores nas ruas — poetas, romancistas, pensadores —, segui-los até seus cafés, sentar-se à mesa do lado, ouvir o que eles diziam e, quem sabe, puxá-los pela manga e oferecer-lhes fogo. Talvez em nenhuma outra época tantos gênios morassem nas mesmas cidades, quem sabe até em bairros vizinhos. E todos em idade madura, no auge de suas vidas ativas e criativas.

Na Paris de 1866, por exemplo, roçavam cotovelos Alexandre Dumas, Victor Hugo, Baudelaire, Gustave Flaubert, Julio Verne, Émile Zola, Mallarmé, Paul Verlaine. Em Londres, Charles Dickens, Lewis Carroll, Thomas Hardy, Samuel Butler. Em Nova York, Herman Melville, Mark Twain, Walt Whitman, Emily Dickinson, Ambrose Bierce, Henry James. Em Moscou, Turgueniev, Tolstoi, Dostoiévski. Em Lisboa, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e, claro, Eça de Queiroz.

Numa esticada a Leipzig, na Alemanha, não seria impossível esbarrar em Friedrich Nietzsche. A Estocolmo, na Suécia, em August Strindberg. A Oslo, na Noruega, em Henrik Ibsen. A Copenhague, na Dinamarca, em Hans Christian Andersen. E, no Rio, bastava um pulinho à rua do Ouvidor para se estar diante de Machado de Assis e José de Alencar.

Que viagem, a 1866.


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