Folha de S. Paulo


O som que se pode ver

Divulgação
Capa do álbum
Capa do álbum "John Coltrane & Johnny Hartman"

RIO DE JANEIRO - Que eu saiba, nenhum jornal brasileiro noticiou a morte de Rudy Van Gelder, um engenheiro de som a quem o mundo deve boa parte do jazz como o conhecemos no século 20 - em discos primorosamente gravados. Van Gelder morreu no dia 25 último, aos 91 anos, em sua casa-estúdio em Englewood Cliffs, Nova Jersey, de onde saíram as fitas que resultaram em LPs como "Moanin'", de Art Blakey, "Saxofone Colossus", de Sonny Rollins, o insuperável "John Coltrane & Johnny Hartman" e nada menos que outros 3.000 discos.

Você se perguntará por que tanta comoção. Porque, por sua própria natureza de música não escrita, o jazz só sobreviveu por ser gravado em discos e poder ser "aprendido" por músicos que não teriam outra forma de estudá-lo. Nem sempre as condições foram ideais - como soaria de verdade, digamos, o conjunto Hot Five, de Louis Armstrong, em 1925, gravado com um só microfone e transformado numa maçaroca sonora? Mas, desde que Van Gelder começou a trabalhar, em 1949, firmou-se um novo padrão.

Ele não era um produtor de discos - não tinha influência sobre a música a ser gravada. Mas era o ditador absoluto de como ela deveria ser gravada. Sua maestria no posicionamento dos microfones e dos próprios músicos no estúdio criava uma sensação de perspectiva sonora - era um som que se podia ver.

Quanto mais delicada a música, mais importante essa precisão. Foi Van Gelder o engenheiro de som em "Wave", "Tide" e "Stone Flower", os três LPs que Tom Jobim gravou para o produtor Creed Taylor em 1967-70 e, até hoje, os maiores discos instrumentais da bossa nova.

Uma frase de Van Gelder, e que resume bem o seu trabalho, é a de que, com um infinito de recursos à sua disposição, ele vergava a tecnologia à criatividade humana - nunca o contrário.


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