Folha de S. Paulo


Pazes concretas

RIO DE JANEIRO - Ferreira Gullar e Augusto de Campos, os principais poetas brasileiros surgidos depois de João Cabral de Melo Neto, estão, aos 85 anos, no apogeu. Por apogeu entenda-se o fato de que chegou para ambos o tempo dos encômios. Calaram-se as vozes contrárias e chovem sobre eles loas, prêmios e homenagens. É irônico para dois homens que, como intelectuais e poetas, sempre marcharam com vento contra. Significa que, à maneira de cada um, eles venceram.

Em 2010, Gullar foi agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante da língua, e, em 2015, cansado de dizer não, aceitou eleger-se para a Academia Brasileira de Letras — e gostou. Também no ano passado, Augusto foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Neruda, conferido pelo Chile. Os dois estão fartamente representados nas livrarias; viram suas obras completas editadas há pouco; têm hoje como casa a mesma Companhia das Letras; e há belas retrospectivas de suas obras em cartaz — a sobre Gullar, no Espaço Cultural do BNDES, no Rio; a sobre Augusto, no SESC Pompeia, em São Paulo.

Os dois se conheceram em 1954, quando Augusto foi atraído pelo livro de estreia de Gullar, "A Luta Corporal" — em que, depois de passar mais de cem páginas exibindo seu domínio sobre a linguagem, Gullar a destroçava, escrevendo coisas como "URR VERÕENS/ ÓR / TÚFUNS/ LERR DESVESLEZ VÁRZENS". Dali os dois partiram para a poesia visual, mas logo divergiram por questões estéticas e pessoais, e nunca mais se falaram. Estão rompidos há 60 anos.

Nesse período, cada qual construiu uma obra monumental, mas, quando um deles se impunha sobre a intelligentsia, o outro se eclipsava. Hoje, os dois podem ser e são admirados pelos mesmos grupos.

Eu sei, as diferenças são muitas, mas seria fascinante vê-los fazer as pazes. Nem que fosse para logo voltarem a brigar.


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