Folha de S. Paulo


O cinema incorpóreo

RIO DE JANEIRO - O fechamento da última locadora de filmes em São Paulo, há algumas semanas, traz um alerta. Não quer dizer apenas que ninguém mais precisa alugar filmes para assistir –pode colhê-los no ar, nas nuvens em que se escondem, e eles se materializam numa tela na sua sala, no quarto ou onde for. Significa também que o cinema ficou ao alcance da mão. Brevemente, não se sairá mais de casa para ver o último Almodóvar ou Tarantino.

Durante muitos dos seus primeiros 120 anos, o cinema não foi assim. Os filmes americanos levavam um ano para chegar aqui; os franceses e italianos, dois; os suecos e japoneses, cinco. Se esse filme fosse "Rastros de Ódio", de John Ford, ou "Meu Tio", de Jacques Tati, e você se apaixonasse por ele, convinha assisti-lo várias vezes nas três ou quatro semanas de sua permanência nos cinemas da vizinhança. Dali ele partiria para seu calvário pelos cinemas dos subúrbios, das periferias e do interior do país, até a sua obrigatória destruição pelo fogo depois de cinco anos de exibição.

A televisão nos brindava às vezes com velhos westerns ou musicais, mas às duas da tarde ou 11 da noite, horas impróprias a trabalhadores. Não se cogitava ter filmes em casa. As melhores famílias dispunham de projetores de 16mm, mas eram poucos os filmes disponíveis, e o Super-8, um formato "moderno", teve curta vida nos anos 60.

Até que inventaram o VHS, ou vídeo-cassete. Todos os filmes do mundo foram lançados nesse formato e cada cinéfilo tornou-se senhor do seu cineclube particular. Na sequência, vieram os vídeo-lasers, DVDs e Blu-Rays, cada qual aposentando o anterior. Pena que, em 20 anos, os primeiros já se tornaram e os últimos se tornarão trambolhos, sem sequer aparelhos para tocá-los.

Os filmes ficaram incorpóreos e as próximas vítimas do processo serão as salas exibidoras.


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