Folha de S. Paulo


Chega de saudade

RIO DE JANEIRO - "Brasileiros, vocês ainda hão de ter saudades do Carnaval", escreveu, um dia, o poeta carioca Dante Milano (1899-1991). Sua crônica "Filmagem do Carnaval Noturno", uma das maiores páginas sobre a festa do Rio, é de uma época, os anos 1940, em que esta desprendia um "clamor de epopeia", com os blocos, carros, ranchos e bailes "rocambolescos, babélicos e umbilicais" tomando os salões, ruas, corpos e almas.

Por algum motivo, Dante anteviu que, um dia, não seria mais assim. E, infelizmente, acertou. Durante toda a década de 1980, trabalhando e morando em São Paulo, vim ao Rio ano após ano em busca de um Carnaval que, eu sabia, não encontraria na vila Madalena ou no alto de Pinheiros, onde morava. Mas, ao chegar aqui, do Carnaval só ouvia os ecos distantes das bandas de Ipanema, Sá Ferreira e Leme, de um ou outro surdo na zona Norte e dos heroicos blocos de embalo do Centro, como o Bola Preta e o Cacique de Ramos.

Não encontrava nem os amigos, refugiados em Cabo Frio ou Mauá. No lugar deles, acorriam os turistas, atraídos pelas escolas de samba. As quais, durante muitos anos, se tornaram sinônimo do Carnaval.

Nunca me conformei com isto. Não podia admitir que a maior festa popular do mundo, com 200 anos de história no Rio, se reduzisse a um show, a ser acompanhado das arquibancadas ou pela televisão. E assim se passaram séculos.

Mas isso acabou. Os jovens acordaram e o Carnaval voltou às ruas do Rio desde pelo menos 2000, com um furor e euforia que já não deve muito ao descrito por Dante Milano. Falta-lhe ainda a trilha sonora –as músicas para embalar e fazer de cada Carnaval uma memória, uma experiência. Mas isso virá com o tempo. O mais incrível, porém, aconteceu: morasse eu em São Paulo em 2016, teria também um Carnaval na minha porta.


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