Folha de S. Paulo


Evaporado da história

RIO DE JANEIRO - No dia 27 de junho de 1852, um jornalista de 20 anos, Manuel Antonio de Almeida, começou a publicar no "Correio Mercantil" uma série de histórias sobre o Rio "no tempo do Rei" –o do príncipe-regente D. João, futuro D. João 6º, nos anos 1810. O herói das histórias era um garoto de seus 12 anos, Leonardo –um menino de rua, um anti-herói de calças curtas.

Por 41 domingos não consecutivos, Maneco, como o chamavam, compôs em torno de Leonardo uma saga da zona portuária do Rio, estrelando soldados, meirinhos, barbeiros, padres, ciganos, costureiras, burocratas, marujos, parteiras, beatas, professores, agiotas, taverneiros e malandros, brasileiros e portugueses. Lançada em livro, inaugurou o "realismo" entre nós e alimenta até hoje os historiadores.

Maneco chamou a isso de "Memórias de um Sargento de Milícias", já indicando que Leonardo se daria bem. Ele próprio é que levaria os dez anos seguintes frustrando-se em empregos e funções abaixo de seu talento. Morreu num naufrágio perto de Macaé (RJ), em 1861. Acabara de fazer 30 anos.

Numa cidade cheia de donas Marias e Zulmiras como nomes de rua, Maneco só teve esse honra em 1959, 98 anos depois de sua morte. Batizou uma modesta pracinha no início da rua Sacadura Cabral, adjacente à praça Mauá. Pelo menos, ficava na Saúde, bairro onde ele nasceu.

Com os trabalhos de revitalização do porto, a praça Manuel Antonio de Almeida tornou-se um canteiro de obras cercada por tapumes. Tudo bem, era mais um serviço que Maneco prestava à sua cidade. E esperei que, ao fim da obra, seu nome voltasse a nomear a pracinha. Em vão. Não há mais pracinha, nem placa, nem nada. A nova praça Mauá engoliu-a sob fanfarras, e Manuel Antonio de Almeida, patrimônio da cultura do Rio e do Brasil, foi de novo evaporado de sua história.


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