Folha de S. Paulo


De mídia para mídia

RIO DE JANEIRO - Nos dias seguintes à queda do muro de Berlim e da Cortina de Ferro, o chefe de Inteligência da Polônia dedicou-se a apagar os arquivos recém-digitalizados de seu serviço secreto. Todos os disquetes foram zerados. Fez isto para que as informações não caíssem nas mãos do imperialismo. Só se esqueceu de que os originais em papel –as pastas com fichas, fotos, recortes, adulterações, interrogatórios, confissões etc.– continuavam nos arquivos de aço que ocupavam um prédio inteiro em Varsóvia.

Já um amigo meu, dono de um invejável arquivo sobre artes e espetáculos, que levara a vida construindo, queria se separar da mulher. Esta não se opunha a que ele fosse embora –só não podia levar o arquivo. E, com isso, a separação foi sendo protelada durante anos, porque ele não podia viver sem o material. Sugeri-lhe que fizesse um acordo com a mulher: o arquivo ficaria com ela, mas ele poderia visitá-lo um fim de semana, sim, outro, não. Ela não aceitou. Até que ele não aguentou. Saiu de casa deixando as pastas para trás e, para sua surpresa, foi feliz para sempre.

Hoje, o chefe de Inteligência da Polônia justificaria o título. No que seu arquivo estivesse digitalizado, os originais em papel iriam para a fogueira e, pronto, estaria resolvido o problema. E o meu amigo apenas enfiaria o pen drive com o arquivo no bolsinho de moedas e sairia de casa assobiando. Se, no futuro, eles conseguiriam abrir esses arquivos, é outra conversa.

A tecnologia não perdoa. Mídias que há pouco eram a última palavra –CDs, disquetes, DVDs, pen drives, HDs– já estão ficando tão ultrapassadas quanto o mata-borrão ou a vitrola pé-palito. O jeito é ir repassando os arquivos de mídia para mídia, à medida que essas vão sendo aperfeiçoadas.

Por que não digitalizar de uma vez o nosso cérebro?


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