Folha de S. Paulo


Impressões digitais

RIO DE JANEIRO - Os antigos serviços de espionagem recomendavam que, em meio a uma guerra, não se mandassem mensagens por escrito, principalmente nas linhas de frente e às vésperas de uma batalha. Se isso fosse inevitável, o destinatário da mensagem, depois de lê-la, deveria engoli-la. Se ele fosse capturado, revistado por fora e por dentro, e o papelucho, encontrado, o que restasse dela já estaria ilegível.

Já um amigo meu, o falecido Ivan Lessa, quando lhe perguntavam por que não escrevia o grande romance da sua geração –ele que, potencialmente, era o maior escritor brasileiro–, respondia: "O importante não é escrever, e sim tomar notas". Mas só dizia isso para que o deixassem em paz. Na verdade, Ivan não escrevia, nem tomava notas. Temia que, se tomasse notas e alguém as descobrisse, a partir delas tentariam obrigá-lo a escrever.

Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país e preso pela Operação Lava Jato, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, desconhecia tanto aquela regra básica da espionagem quanto a sábia atitude de Ivan Lessa. Passou os últimos anos registrando por escrito tudo que pensava, fazia e mandava fazer –ou desfazer– e com quem, onde, quando e por quanto.

Na convicção de que só vale o escrito, usou blocos de anotações, memorandos, e-mails, anexos, recados no celular, mensagens de texto e o que mais existe para uma pessoa se comunicar. O problema é que a maioria dessas mídias não pode ser engolida depois de lida a mensagem. E não é à toa que tais mídias sejam digitais –equivalem às impressões que se deixam com os dedos na cena do crime.

Por falar em dedos, os parceiros de Odebrecht têm razão de ficar preocupados. Arriscam-se a ser apanhados apenas porque o generoso empresário achava que era importante tomar notas.


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