Folha de S. Paulo


Ensina pra eles, Kelly

RIO DE JANEIRO - No sábado último (14), escrevi que o dinheiro gerado hoje pelo Carnaval está beneficiando dezenas de categorias profissionais, exceto duas: a dos compositores e letristas de sambas e marchinhas originais. Há quase 50 anos não há espaço para novas produções do gênero, que, no passado, gerou obras-primas como os sambas "Oba!", de Oswaldo Nunes, e "Eu Agora Sou Feliz", de Jamelão e Mestre Gato, e as marchinhas "Garota de Saint-Tropez", de Braguinha e Jota Junior, "Vou Ter um Troço", de Arnô Provenzano e Jackson do Pandeiro, e "Pó de Mico", de Dora Lopes e Renato Araújo –isto só nos Carnavais de 1962 e 1963.

E arrisquei que, se vivessem hoje, Ary Barroso, Lamartine Babo, Braguinha, Haroldo Lobo e Luiz Antonio, grandes campeões do Carnaval, passariam os três dias em branco –nada de novo que fizessem emplacaria. Só que não era preciso ir tão longe. João Roberto Kelly, o maior herdeiro deles, está firme aos 76 anos e cheio de ideias de música e letra deliciosas. Mas não se anima a mostrar nenhuma. Para quê? Para quem? Se você não ligou o nome à figura, Kelly é o autor de "Cabeleira do Zezé" (com Roberto Faissal) e "Mulata Iê-iê-iê", dos Carnavais de 1964 e 1965, que nunca pararam de tocar.

Por que as criações dos atuais compositores de Carnaval, se existem, não estouram entre os milhões de jovens que agora brincam nos blocos? Porque a indústria do Carnaval ainda não descobriu o potencial financeiro que sambas e marchinhas contemporâneos podem representar.

No passado, os compositores tinham a seu favor a indústria fonográfica, os cantores, o rádio, a TV, os bailes nos clubes e o povo nas ruas. Todos esses veículos os abandonaram, e o Carnaval se resumiu à mesmice das escolas de samba.

Mas agora é diferente. Há um mercado à espera. Que venham os produtos. Ensina pra eles, Kelly.


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