Folha de S. Paulo


Gravatas ilibadas

RIO DE JANEIRO - Adoro saber que, como já passei dos doze anos, não perderei o sono esta noite porque amanhã tenho prova de latim no colégio. Ou de matemática. O fato de já não precisar me submeter a exames dessas matérias é a certeza de um sono profundo e restaurador. Na verdade, livre de tais fantasmas, hoje posso me deliciar com Ovídio ou Petrônio e até entender o fascínio de algumas pessoas pelo teorema de Pitágoras.

Mas imagino que, por outros motivos, muita gente venha dormindo mal no Brasil: deputados, senadores, ministros, prefeitos, governadores, empreiteiros, executivos, tesoureiros de partidos e quem quer que esteja na mira da Operação Lava Jato –ameaçados de ver seus nomes divulgados como beneficiários do petrolão. Ninguém, não importa a altura do cargo, parece a salvo.

O material em investigação é monumental: planilhas, contratos, balanços, documentos, contas bancárias, mensagens cifradas e, não por último, a delação premiada. Como boa parte das mutretas envolve negócios da Petrobras com o exterior, os americanos também estão vasculhando por conta própria, o que garante que, em futuro próximo, haverá quem não possa pôr os pés em Miami ou Orlando, para não correr o risco de ir preso.

Impressionado com o alcance e minúcia desse pente-fino, eu próprio andei me investigando para descobrir se, sem saber, não me beneficiei com presentes e propinas como os que têm sido mimoseados aos sócios da corrupção. Por exemplo: nos últimos anos, ganhei relógios, gravatas, cortes de tecido, vinhos, uísques? Não, nem uma cesta de Natal.

Aliás, ganhei gravatas, sim, mas de fonte ilibada. Há algum tempo, a jornalista Sonia Nolasco me presenteou com três gravatas de seu falecido marido, meu inesquecível amigo Paulo Francis –morto em 1997 pelos pecados da Petrobras.


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