Folha de S. Paulo


Leviana

RIO DE JANEIRO - No segundo debate pela sucessão presidencial, o do SBT, Aécio Neves chamou Dilma Rousseff de "leviana". Referia-se, naturalmente, à maneira airosa, volátil e inconsistente (vide "Aurélio" e "Houaiss") com que a candidata manipulava os dados da economia. Ao ouvir aquilo, Dilma não ficou estarrecida. Na verdade, nem acusou recebimento. Mas Lula indignou-se. Bradou que não era coisa que se dissesse de uma mulher de mais de 60 anos, mãe e avó.

A princípio, atribuiu-se a reação de Lula à criatividade do ex-presidente, craque em submeter as palavras a tantos contorcionismos semânticos quanto as conveniências exigirem. Não era para tanto, pensou-se. Muito menos para que, a partir dali, se pintasse o adversário como um homem que não respeitava as mulheres. Mas, embora os dicionários não o registrem, alega-se agora que, em algumas regiões do Nordeste, "leviana" significa "mulher da vida". Donde, sem saber, Aécio Neves terá cometido suicídio linguístico.

Foi a vingança de Lula a uma acusação que sempre lhe fizeram: a de ser, quando muito, monolíngue. Opinião de que nunca compartilhei porque Lula é mestre em, pelo menos, duas línguas: a de uso corrente e a que lhe convém. O difícil é saber qual delas ele está falando.

É possível que o uso leviano de "leviana" não tenha tirado muitos votos de Aécio Neves –já estavam perdidos do mesmo jeito. Mas ficou claro que, nas próximas eleições, não será suficiente contratar um marqueteiro. Será preciso convocar também um linguista, para repassar com o candidato os pontos principais de sua argumentação e certificar-se de que nenhuma palavra se constituirá numa involuntária gafe regionalista, passível de exploração política.

Evidente que as mentiras, as ameaças e os golpes baixos, desde que bem urdidos e propositais, continuarão valendo.


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