Folha de S. Paulo


Queixo duplo

RIO DE JANEIRO - Psicólogos, pedagogos e linguistas advertem: o smartphone é antissocial –ao mesmo tempo em que parece conectar as pessoas, na verdade as afasta e faz com que se confinem individualmente na mediocridade de uma telinha de três polegadas. Pode-se estar num restaurante, teatro, praia, terreiro de macumba ou até passeando em Paris –se o sujeito estiver empalmando um smartphone, nada e ninguém mais existirá. A badalhoca abole a vida ao redor.

Apesar disso, raros se habilitam a tentar equilibrar essa servidão com a riqueza da vida real, onde as coisas têm forma, volume, peso, cheiros e cores. Neste momento, já há dezenas de milhões de crianças que não conheceram o mundo antes do smartphone. Mais um pouco e não acreditarão que esse mundo um dia existiu.

Se as pessoas insistem em ignorar tais estudiosos e não se importam de reduzir suas mentes à condição de apêndice de um aparelho, talvez se assustem ao saber que o smartphone também as atinge em algo que ainda devem valorizar: o corpo.

Cidadãos habituados a usar o smartphone enquanto caminham pela rua tendem a torcer o pé em buracos no calçamento, ser tragados por bueiros, tropeçar no meio-fio, abalroar-se uns aos outros e pisar em camisetas com a cara de Bob Marley estendidas no chão. Os mais compenetrados não estão livres de ser atropelados pelo pipoqueiro ou de ter seu aparelho afanado pelo pivete.

Se isto não basta para que as pessoas deem um pouco de sossego ao smartphone, resta informar que, para alguns fisioterapeutas, a postura curvada –a cabeça em ângulo reto em relação ao pescoço, exigida para se ler ou escrever na telinha– pode vergar a coluna mais ereta à forma de um ponto de interrogação. E o queixo cravado ao peito tantas horas por dia está levando as mulheres mais bonitas e esguias a desenvolver queixo duplo.


Endereço da página: