Folha de S. Paulo


Civis que conspiraram

RIO DE JANEIRO - É positivo que os levantamentos que se têm feito sobre 1964 não se limitem aos militares e torturadores. Começam a chegar também aos civis que conspiraram, traíram, insuflaram, perseguiram, denunciaram, demitiram e humilharam outros civis, e deram respaldo jurídico e político às viradas de mesa dos militares. No futuro, alguns fariam carreira na oposição, mas seu passado não pode ser apagado.

O ex-presidente Juscelino Kubitschek, por exemplo. De olho em sua volta ao Planalto em 1965, ajudou a eleger o homem –o marechal Castello Branco– que, pouco depois, cassaria para sempre os seus direitos políticos. Para que tal cassação fosse possível, JK teria de ser abandonado pelos homens que cresceram à sua sombra quando ele era presidente –o que, exceto por dois ou três que lhe ficaram fiéis, naturalmente aconteceu.

Os governadores Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda (GB), líderes civis do movimento –o governador Adhemar de Barros (SP) então não contava–, nunca poderiam imaginar que não teriam lugar na nova ordem. Os dois também apoiaram a "eleição" de Castello pelo Congresso, esperando que ele cumprisse a promessa de promover eleições em 1965. Para se garantir no pleito, Lacerda lutou nos bastidores pela cassação de JK. Magalhães, por sua vez, dedicou-se a esvaziar Lacerda. E este, que se achava o herdeiro natural do golpe, custou a se dar conta de que os militares tinham outros planos.

O deputado Ulysses Guimarães juntou-se à Marcha da Família, em São Paulo, às vésperas do golpe, e, com este vitorioso, não apenas votou pela cassação de JK por dez anos como queria que fosse por 15. E o cardeal d. Paulo Evaristo Arns saiu de sua paróquia no dia 31 de março para ir benzer na estrada as tropas do general Mourão, que avançavam sobre o Rio de Janeiro.

Sim, as pessoas mudam, algumas para melhor.


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