Folha de S. Paulo


Exibicionismo homicida

RIO DE JANEIRO - Em 1960, um filme do mestre do cinema inglês Michael Powell, "A Tortura do Medo" ("Peeping Tom"), mostrava um rapaz que não se limitava a matar mulheres. Fazia com que elas vissem num espelho suas expressões de horror, enquanto eram trespassadas pelo tripé pontiagudo da câmera com que ele filmava seus rostos. Parece complicado, mas não é. Mark, o rapaz, queria filmar o medo –e, para isso, tinha de provocá-lo.

A crítica inglesa destruiu o filme como absurdo, doentio e repulsivo, e liquidou com a carreira de Powell. Não se admitia que aquela forma de crueldade pudesse existir na realidade. Para piorar, o ator que fazia o assassino era o jovem alemão Karlheinz Böhm, que despertava suspiros femininos nos filmes de Sissi com Romy Schneider. Pela primeira vez, o horror real se confundia com o virtual. Decididamente, 1960 não estava preparado para isso.

Mas 2014 está. Na semana passada, no Distrito Federal, um garoto matou sua ex-namorada com um tiro no rosto. Ato contínuo, filmou a menina morta e divulgou o vídeo para os amigos por um aplicativo de troca de mensagens. Em outro vídeo, ele admite o assassinato. Que exibicionismo homicida o impulsionou?

Alguns observadores afirmam que a violência do mundo virtual –os insultos e ameaças com que as pessoas se agridem anonimamente on-line– está se transferindo para o mundo real. Sob qualquer pretexto, selvagens em grupo ou isoladamente despejam seu ódio contra o que ou quem estiver pela frente. No caso desse crime, o assassino não se conformou com o anonimato. Levou sua violência real para o mundo virtual.

Tudo isso aconteceu um dia antes de o garoto completar 18 anos. Por essa diferença de 24 horas, ele está protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Sua vítima tinha 14. Mas já nenhum estatuto poderá protegê-la.


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