Folha de S. Paulo


Mãos alheias

RIO DE JANEIRO - Há meses, um megagrupo francês, Vivendi, depois de abocanhar a gigante americana Universal –esta, já resultado de 50 anos de fusões na área das gravadoras de música popular–, comprou a outra gigante, a inglesa EMI, também a soma de 50 anos de fusões na mesma área. Significa que, agora, o legado de Bing Crosby, Carlos Gardel, Edith Piaf, Frank Sinatra, Amália Rodrigues, os Beatles, os Rolling Stones e outros do mesmo calibre –até há pouco sob diferentes bandeiras– tem um só dono.

Nas economias marca barbante, como a brasileira, essas fusões levam a uma fria e implacável desnacionalização. Neste momento, por exemplo, 90% da música popular gravada no Brasil no século 20 pertencem a três grupos estrangeiros: a dita Vivendi, a japonesa Sony e a americana Warner.

A novidade não está no fato de a história da música brasileira não pertencer a brasileiros –porque só às vezes isso não aconteceu. Mas no de que, desde os anos 30, ela nunca esteve concentrada em tão poucas mãos, e alheias. Naquela década, por exemplo, era dominada pela inglesa Odeon (aliás, EMI) e pelas americanas Victor e Columbia.

Essas potências nunca perderam o domínio, mas, a partir de 1945, tiveram de ceder parte do território a pequenas e bravas gravadoras brasileiras que começaram a surgir, como a Continental, Sinter, Copacabana, Todamérica, Star, Musidisc, Mocambo, RGE, Chantecler, e, nos anos 60, os bravíssimos selos Festa, Elenco, Forma, Cid, Equipe, Som Maior, Farroupilha, Imagem. Com o tempo, no entanto, todos esses nanicos foram sendo absorvidos pelos grandes e estes, por outros novos no mercado e ainda maiores.

Os quais se comeram uns aos outros e, hoje, de novo em três, controlam o nosso passado musical – o que, como dizia George Orwell, é essencial para controlar também o presente e o futuro.


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