Folha de S. Paulo


Dirá você

RIO DE JANEIRO - A implosão que derrubou a primeira parte do elevado da Perimetral, domingo, no Rio, não interessa só aos cariocas. Refere-se a um conceito de urbanismo e transporte que, tido como ideal nos anos 50, estabeleceu-se como inevitável e é aplicado até hoje no Brasil. Consiste em asfixiar as cidades com viadutos para que os carros rodem por cima. Quem paga por esse modelo? A memória e o cidadão.

Ao sair do papel, em 1958, a Perimetral passou o rodo em quase 200 anos de história do Rio. Derrubou o hotel Pharoux (mostrado na primeira foto tirada no Brasil, em 1849). Pôs no chão prédios coloniais. Arrasou o Mercado Municipal --poupou apenas o pavilhão do restaurante Albamar e gerou um terreno baldio que se tornou estacionamento. Isolou a zona portuária do centro da cidade, provocando seu despovoamento e degradação. E, afinal, não resolveu o problema da ligação entre as zonas norte e sul.

À Perimetral deve-se creditar o abandono, por décadas, da praça XV e arredores. Até hoje muitos não se dão conta de que aquelas "casinhas brancas" pelas quais passam a 10 metros de altura e a 120 por hora são o Paço Imperial, o Museu Histórico, a Casa França-Brasil, igrejas, mosteiros, arsenais, velhos hotéis e o que sobrou da avenida Central. Em breve, tudo isso se levantará dos escombros da Perimetral, guarnecido por um longo passeio público, como nas zonas portuárias de Nova York, Lisboa, Buenos Aires.

E o trânsito, como fica? --dirá você. Os carros terão vias expressas, túneis e mergulhões, mas haverá também trens, VLTs e BRTs. Seria bom que as pessoas se habituassem a partilhar caronas, e espera-se que os futuros moradores da região adiram à bicicleta ou ao pisante.

Há 30 anos que sonho com o fim da Perimetral. Esse sonho se transfere agora para outra excrescência -- o elevado Paulo de Frontin.


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