Folha de S. Paulo


'Escola' para meninas suscita argumentos agressivos

Quase todo mundo viu notícias a respeito de uma "escola" que pretende transformar meninas em princesas. Eu também vi e não li, não me incomodei nem me interessei. Considerei algo sem importância, já que inúmeras mães têm o costume de chamar a filha de "minha princesa" e a infância é recheada de contos de moças lindas que encarnam tal papel.

Acontece que a história dessa "escola" passou a ter muita repercussão: jornalistas me ligaram para que eu comentasse a respeito do fato, e mães me pediram que eu escrevesse a respeito. Meu primeiro passo foi visitar a página e o site da "escola". Eles levam a história de formar princesas muito a sério e reproduzem a quase totalidade de estereótipos a respeito do papel da mulher no mundo. Vou mencionar só um deles: "O passo mais importante na vida de uma mulher, sem dúvida nenhuma, o matrimônio" (sic).

Bem, mas foi um fato paralelo que me fisgou, mais do que a "escola": os conflitos e confrontos virtuais entre as pessoas que gostaram da página e fizeram elogios à iniciativa, e as que criticaram. É sobre isso que quero refletir.

Na página desse negócio na rede social Facebook, pude constatar que há mais de 60 mil pessoas que a acompanham, escrevem comentários elogiosos etc. E, como não poderia deixar de ser, há comentários desfavoráveis também.

Bom, aí é que está o problema: as pessoas que apreciam o propósito da "escola" lá formam um grupo –a maioria é de mulheres, mas há homens também– que considera que as pessoas que não apreciam ou criticam são APENAS feministas ou "feminazi" –termo usado de forma pejorativa que resultou, ao que parece, da junção das palavras feminista e nazista.

Essa oposição é mais uma que é acrescentada a todas as demais oposições a que as mulheres estão submetidas e que coloca umas contra as outras. Constatamos esse tipo de combate virtual todos os dias. Vamos lembrar de alguns exemplos: mulheres que defendem o parto natural contra mulheres que preferem o parto em hospital; mulheres que lutam em favor da amamentação contra mulheres que escolhem não amamentar –ou não conseguem; mulheres que se dedicam aos filhos contra mulheres que se dedicam à profissão etc.

Não precisamos de oposições, de combates, de patrulhas, não é verdade? Precisamos de empatia, de compreensão, de solidariedade, de apoio. É possível entender as mães que querem que a filha se torne uma princesa? É. Basta olhar para nossas tradições para perceber que o lugar destinado à mulher é de um personagem secundário que deve dar cor e beleza à paisagem. Exemplo? O direito ao voto só foi conquistado no século 20! Essas mães irão mudar sua posição com críticas ferozes? Não!

É possível compreender as feministas radicais? Sim. Basta olhar a violência diária contra as mulheres, a diferença salarial pelo mesmo trabalho, a baixa representação no cenário político etc. Elas irão mudar seu modo de lutar sendo chamadas de feminazi? Não!

Quem tem filhas e filhos deve querer um mundo melhor para eles. Mas não vai ser desse modo que iremos conseguir isso.

Meu pedido aos pais, hoje, é que ensinem aos filhos o convívio respeitoso com a diferença e a argumentação não agressiva para que eles aprendam a conflitar sem agredir, a fazer contestações de um modo diferente do que temos feito.


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