Folha de S. Paulo


O consumo dos mais novos

Não é novidade que as crianças têm contato com quase tudo do mundo adulto, inclusive com situações com as quais elas ainda não conseguem lidar.

Todos os dias elas ouvem e veem cenas que envolvem tragédias, assassinatos, violências, sexualidade abusiva etc. Se para muitos adultos é difícil seguir em frente com todas essas informações, imagine, caro leitor, para uma criança.

Por outro lado, talvez por compensação, a maioria dos pais protege as crianças de fatos e de situações da vida que evitam que elas entendam a realidade, e com as quais elas poderiam lidar.

A superproteção dos filhos tem sido um estilo dos pais, por isso independe de classe social, econômica, cultural: apenas muda de formato de acordo com a situação familiar.

Crianças são poupadas de realizar tarefas domésticas, de resolver seus problemas escolares e suas pendengas com os colegas. A mesma coisa acontece com adolescentes, que frequentam baladas até altas horas da madrugada, viajam em turmas, ingerem bebidas alcoólicas com o conhecimento dos pais, mas não usam transporte público para ir até a escola, por exemplo.

A maioria das crianças e dos adolescentes recebe mesadas, mas eles sabem apenas o preço daquilo que lhes interessa, e nem conseguem saber bem como o dinheiro que ganham desaparece antes de chegar a data de receber a próxima. Mas, todos eles, pouco ou quase nada sabem a respeito do orçamento familiar, e é desta questão que quero tratar.

Em uma sociedade do consumo como esta em que vivemos, os apelos para ter um mundaréu de coisas, nem sempre úteis ou necessárias, são enormes. E não é apenas a publicidade -e falo especialmente daquela dirigida aos adultos, que sabe muito bem como afetar a criança e o adolescente- a responsável. Os próprios pais valorizam o consumo. Consumir, hoje, tem um valor especial para todos: o de colocar as pessoas em lugar de destaque social.

Por isso, as demandas de consumo dos mais novos são sempre legítimas, o que não significa que precisem ser atendidas. Mas podem ser explicadas, mesmo quando forem atendidas, para que a família contribua com a formação de consumidores responsáveis, críticos e sensatos.

Mas, para tanto, os mais novos precisam aprender o valor simbólico do dinheiro, e para isso nada melhor do que terem conhecimento a respeito do valor -mesmo que aproximado- do orçamento familiar: quanto os pais recebem por seu trabalho, quanto usam dele para a manutenção familiar, quanto reservam para eventualidades, e assim por diante.

A partir dos seis, sete anos, mais ou menos, a criança já tem plenas condições de começar a se aproximar desse universo. De nada adianta falarmos em educação financeira se não partirmos do orçamento familiar para iniciar a sua formação nesse sentido.

Experimente perguntar a seu filho o quanto ele imagina que a família gasta com alimentação, por exemplo, ou com combustível para atender às necessidades dele. Ou do custo da conta do celular que eles usam, da internet etc. Você pode se surpreender ao perceber o quão longe eles ficam dessa realidade.

Não deveria ser motivo de constrangimento algum os pais contarem aos filhos o valor que recebem pelo trabalho remunerado, mas tem sido. Por que será?


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