Folha de S. Paulo


Respeito e lealdade

Viver tem sido bem perigoso para muitas garotas e garotos, independentemente da classe social, da região em que vivem e do estilo de vida das famílias às quais pertencem. Não passa uma semana sem que alguma notícia a respeito de abuso sexual, na vida real ou no mundo virtual, seja publicada.

Imagens de garotas nuas ou em momentos de intimidade com namorados são espalhadas e deixam fortes consequências na vida delas: algumas entram em depressão, outras pensam em suicídio e algumas até perdem a coragem de viver, passando tempos enclausuradas, tanto em casa quanto dentro de si mesmas, por medo e pela humilhação a que foram expostas.

Listas com nomes de garotas que alguns meninos consideram "vadias" e "putas" são espalhadas nos grupos, bairros e escolas, seja por meio virtual ou real. E o estupro, essa barbárie que tem ocorrido com frequência inesperada entre adolescentes e jovens?

Este é o momento em que famílias e escolas podem fazer uma parceria de fato: refletir sobre o que podem fazer por esses jovens.

Primeiramente, precisamos considerar que o tempo em que vivemos incita à total falta de diferenciação entre o que deve ser preservado por fazer parte da intimidade e o que pode ser compartilhado com outras pessoas no convívio social sem riscos sérios para a própria pessoa ou qualquer outra.

A geração atual de adultos ainda chegou a conhecer, mesmo que superficialmente, os limites entre vida privada e vida pública, mas os jovens, entretanto, já nasceram em um mundo em que não há essa diferenciação, por isso fazem coisas que nem imaginam poder afetar com gravidade a própria vida pessoal.

As famílias precisam, portanto, no processo educativo com os filhos, ensinar a eles, insistentemente, o valor da intimidade, tanto a própria quanto a dos outros; os adolescentes precisam aprender que, quando merecem ser depositários de algum segredo íntimo de amigas/os ou namoradas/os, precisam saber honrar essa confiança e ter lealdade, mesmo se o relacionamento –de amizade ou de namoro– for rompido.

As escolas, por sua vez, precisam ter projetos permanentes de trabalho com os alunos para que, com base no conhecimento e no convívio, aprendam que relações impessoais –as que há entre colegas– exigem respeito e que relações pessoais exigem carinho, afeto.

Além desses ensinamentos, que devem fazer parte do cotidiano da vida em família e na escola, precisamos também trabalhar urgentemente as relações de gênero entre os jovens. Que violência é essa entre eles? Vamos nos contentar em criminalizá-la, se podemos fazer mais, muito mais, na educação?

Não há dúvida de que o mundo adulto tem mostrado a eles que, mesmo em pleno século 21, há poder de homens sobre mulheres, e que esse poder pode ser usado e abusado, o que tem sido, aliás, muito explorado em programas humorísticos. Com a desculpa de que o humor não deve ser politicamente correto, abusos de homens contra mulheres e vinganças de mulheres contra homens fazem sucesso com a moçada.

Podemos cultivar neles o respeito pelo sexo oposto e pela diversidade sexual: em casa, com ênfase nas relações pessoais, e na escola, na questão da cidadania.

O fato é que, se quem tem a missão educativa não tomar alguma atitude em relação a essas questões, o que já está ruim pode ficar bem pior.


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