Folha de S. Paulo


Particularidades

Uma leitora me contou uma história interessante, que despertou a minha curiosidade. Na vizinhança onde ela mora, há uma professora particular 24 horas. A qualquer hora e a qualquer dia, há pais que levam seus filhos para ter aulas com ela.

Os filhos chegam devidamente munidos com material escolar e ainda levam de brinde a cara feia e a briga com os pais, que ficam dentro do carro. Nem o domingo é respeitado: ela já testemunhou um carro deixando um garoto lá, nesse dia de descanso, perto das 22h!

Para saber se esse era um caso isolado ou se já é um fato que começa a se tornar frequente, investiguei o assunto com diversas pessoas. E, para minha surpresa, descobri que há muitos professores particulares que fazem isso na própria casa, na do aluno ou por Skype.

Mas vamos lá: não há novidade alguma na existência de professores particulares. Muitas décadas atrás, alunos de famílias com posses já usavam esse tipo de serviço, que, em geral, provocava vergonha e constrangimento ao estudante que precisava de um acompanhamento específico e exclusivo para conseguir dar conta da vida escolar.

Por isso, quase ninguém comentava o assunto, e os próprios docentes nem sequer anunciavam o que faziam, porque ou isso era um favor que prestavam a alguém conhecido ou um "bico" que faziam em horas de aperto financeiro.

Esse panorama mudou muito: o mercado de aulas particulares, reforço escolar ou coisa semelhante cresceu bastante. Deve ser rentável, pois hoje existem até franquias desse tipo de serviço, o que significa profissionalização. Encontrei excelentes professores, de todos os níveis, que fazem isso exclusivamente e outros que lecionam em uma escola por meio período e, no outro, dão aulas particulares.

O valor cobrado por esses trabalho varia bastante: conversei com bons professores que cobram R$ 30 a hora-aula, e pais que já pagaram R$ 200. As variações seguem um padrão curioso: quanto mais novo o aluno, menor o valor cobrado; quanto mais velho, mais a família pagará pelas aulas particulares. Faça as contas, caro leitor, do peso disso no orçamento familiar.

Para a criança e para o jovem, ter acesso a esse serviço não é mais motivo de vergonha, e sim de orgulho. Uma professora me contou que, ao chamar a atenção de um aluno e dizer que ele precisava focar no trabalho em aula, ele respondeu que não precisava fazer isso porque seu professor particular já havia explicado aquilo tudo a ele.

Qual é a razão do crescimento fantástico dessa fatia de mercado? Resposta fácil: de algumas décadas para cá, muitas famílias ficaram verdadeiramente obcecadas com o rendimento escolar dos filhos. Se antes esses amargavam broncas homéricas e castigos severos por desobediência aos pais ou parentes adultos, hoje é por notas baixas.

Uma coisa nessa história toda eu não consigo entender: por que os pais não acham estranho ter de recorrer a professores particulares para que o filho dê conta da escola?

Não vale a resposta "meu filho não consegue acompanhar o ritmo dos outros alunos", porque é muito grande o número de crianças e jovens usando –e abusando– desse serviço. Há algo muito errado no reino da educação escolar e na relação das famílias com essa questão, você não acha? Precisamos pensar melhor a respeito disso!


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