Folha de S. Paulo


O sono infantil

Há mães e pais que dizem ter sorte com o sono do filho: desde a chegada do bebê em casa, eles pouco tiveram de se privar de seu descanso noturno para atender aos chamados do bebê. Mas -cá entre nós-, se esses pais existem, são raras exceções. É que o ritmo do sono da criança, nos primeiros anos de vida, costuma dar bastante trabalho aos pais, por quase nunca estar em harmonia com o sono deles.

Logo após o nascimento, o bebê não diferencia o dia da noite. Ele dorme bastante, mais ou menos umas 20 horas por dia, mas alterna seu sono, que dura até três ou quatro horas, com períodos em que fica acordado, independentemente de estar claro ou escuro.

Aos poucos, o período de sono sem interrupções aumenta, mas só ao chegar aos três anos é que a criança diferencia o dia da noite e dorme mais à noite e menos de dia. É importante lembrar que cada criança tem seu próprio ritmo, por isso estar fora dessas referências não sinaliza problema, necessariamente.

O ritmo biológico do sono é afetado por outras questões: o medo do escuro, os pesadelos, a insegurança de se afastar dos pais etc.

E é principalmente a reação dos pais frente a esses acontecimentos que facilita ou atrapalha a superação das dificuldades encontradas pela criança.

Há pais que se desesperam porque, no dia seguinte, precisam enfrentar a batalha dos afazeres domésticos ou profissionais. E aí fazem de tudo para garantir seu descanso: vale deixar a criança chorar por muito tempo, vale determinar rotinas rígidas, vale embalar, vale levar para a própria cama, vale alimentar etc. E vale, principalmente, buscar receitas em livros, que existem aos montes.

Mas vamos usar o bom senso: nenhuma receita é mágica. Elas podem até funcionar, por um período, e pouco ajudam a criança a desenvolver ou retomar sua autonomia de sono.

Estabelecer rotinas é bom? Nem sempre. Rotinas, assim como regras, são infantilizadoras. Rituais e princípios, por sua vez, são emancipadores. Criar rituais em vez de estabelecer rotinas e se pautar por princípios em vez de usar regras são modos de oferecer um contexto mais apropriado ao desenvolvimento saudável do filho.

Quais são as diferenças entre rotinas e rituais, considerando o sono da criança? Uma rotina pode ser, por exemplo: determinar um horário para o filho dormir, um local -seu quarto, sua cama-, uma sequência de ações etc. Rotinas automatizam o comportamento da criança, não a ensinam. Além disso, a criança passa a depender da rotina que, quando quebrada, pode deixá-la perdida.

Já o ritual ajuda a criança a se apropriar do recolhimento necessário para o sono, ou seja, ajuda-a a ter mais autoconhecimento e controle sobre si mesma. Exemplo de ritual do sono: trocar de roupa, fazer a higiene que a família adota, passar para brincadeiras menos excitantes e barulhentas, dirigir-se ao local de dormir etc.

No ritual, a criança não depende das atividades propostas, da sequência delas, tampouco do local em que está. Ela aprende, aos poucos, que esse é um processo que a ajuda a se preparar para a transição do estado de vigília ao sono. Para que funcione, o ritual só precisa ser valorizado pelos pais.

Em resumo: mais importante do que fazer a criança dormir, é ajudá-la a conquistar mais domínio sobre seu sono.


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