Folha de S. Paulo


Que Cármen Lúcia reafirme na presidência do Supremo o 'cala a boca já morreu'

Pedro Ladeira/Folhapress
Ministra Cármen Lúcia acaba de assumir a presidência do Supremo
Ministra Cármen Lúcia acaba de assumir a presidência do Supremo

A Ministra Cármen Lúcia acaba de assumir a presidência do Supremo. Essa é uma boa notícia para o constitucionalismo brasileiro, especialmente aquele que presta atenção ao artigo 5º da Carta Magna, que define os direitos e as garantias fundamentais de todos os cidadãos. Em decisão recente, a ministra posicionou-se claramente em favor da liberdade de expressão, proferindo a célebre frase "Cala a boca já morreu" ao votar sobre o direito de realizar biografias no Brasil.

No entanto, "cala a boca" não morreu. Ao contrário, está cada vez mais robusto e nefasto. Há um grande número de juízes ordenando não só a remoção de alegações da internet como exigindo que essas informações permaneçam banidas, especialmente quando dizem respeito a políticos. Os casos mais graves são pura censura prévia: ordens judiciais mandando que algo não seja sequer publicado. Se for publicado, que seja removido. Se for removido, que não seja publicado novamente.

Relatório recente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) mostra que mal começou o período eleitoral e os pedidos de censura prévia no Judiciário por políticos já totalizam 28 ações, superando todo o período eleitoral anterior. São demandas contra cidadãos, empresas de mídia, sites e jornalistas ordenando-os a calar a boca.

O campeão de pedidos é o ex-senador Expedito Júnior (PSDB-RO), com sete processos. Em segundo lugar vêm Dilma Rousseff (PT), o senador Benedito de Lira (PP-AL) e o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), todos com seis processos. Um a cada cinco pedidos de censura prévia é concedido pelo Judiciário.

Infelizmente, o Brasil destoa das regras de liberdade de expressão que são praticadas nos países democráticos. Desvia-se não só do modelo dos EUA, onde políticos e figuras públicas praticamente não têm direito de reparação contra ofensas, mas também dos vizinhos latino-americanos. Países como Argentina, Costa Rica, El Salvador, México, Nicarágua e Uruguai nunca criminalizaram ou recentemente revogaram suas leis que permitiam a políticos recorrer ao Judiciário para banir afirmações (mesmo que ofensivas) contra eles.

Um bom exemplo disso é a Lei Kimel, passada na Argentina em 2009. O país foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao punir o jornalista que expôs os agentes públicos responsáveis pelo massacre da igreja de são Patrício. A Lei Kimel limitou que figuras públicas possam acionar o Judiciário para proteger sua "honra".

Enquanto nossos vizinhos defendem a liberdade de expressão, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores é desanimadora. Quando têm de decidir sobre o conflito entre liberdade de expressão e a proteção à honra, optam pela honra em 70% dos casos.

Com isso, a presidência do STF exercida por Cármen Lúcia traz esperança para reverter esse quadro. Espera-se que sua atuação reafirme o "cala a boca já morreu" proferido anteriormente. Isso seria, aliás, mais belo ponto para sua biografia.

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