Folha de S. Paulo


Acelerar ou desacelerar?

Perdemos há poucos dias Alvin Toffler, escritor que pode ser considerado o último da linhagem dos "futuristas" assumidos.

Toffler era especializado em identificar grandes tendências tecnológicas. Seus livros "O Choque do Futuro" e "A Terceira Onda", de 1970 e 1980, respectivamente, foram best-sellers no Brasil. Várias livrarias do país, sem saber ao certo como classificá-los, posicionavam as obras na sessão de esoterismo. Isso contribuía para sua popularidade, mas afastava o autor dos círculos mais "sérios".

É uma pena. Toffler era um grande estudioso da mudança. Seu conceito de "choque do futuro", criado em 1965, descreve "a tensão arrasadora e a desorientação que causamos aos indivíduos ao submetê-los a excessiva mudança num espaço de tempo demasiado curto". Na sua visão, essa seria "uma doença autêntica, da qual já padece um número cada vez maior de pessoas. É a doença da mudança".

Toffler viveu o suficiente para ver seu conceito vivenciado por praticamente todos os habitantes do planeta. O que ele não previu foi o poder das mídias, do marketing e da propaganda de construir narrativas para legitimar as mudanças, tornando-as "normais". A história recente da tecnologia é exatamente a história da normalização da mudança.

Se alguém afirmasse em 2002 que seria comum fazer fotos e vídeos do próprio rosto várias vezes ao dia, compartilhando-as publicamente (como ocorre hoje no Snapchat), provavelmente seria recebido com um incrédulo "ahã". A própria palavra "compartilhar" dá um ar positivo para uma prática que envolve relações sociais muito mais complexas. Efeitos nocivos não são representados pelo termo.

A obra de Toffler é hoje citada como um contraponto à ideia de "aceleracionismo". O conceito ganha cada vez mais força nos debates políticos e fascina tanto o campo da direita quanto da esquerda. Aquele, com a promessa da tecnologia servindo de veículo para o domínio completo do capital sobre o trabalho. Este, com a expectativa de que novas tecnologias possam ser usadas para construção de um caminho emancipatório.

Vale a pena reler as palavras do "Manifesto Aceleracionista", de 2013, à luz da perda de Toffler. O texto prega que há uma divisão entre "os que se apegam a uma política de localismo folclórico, de atuação direta e horizontalismo, e os que se sentem confortáveis com uma modernidade abstrata, complexa, global e tecnológica.

Aqueles ficam contentes em criar pequenos espaços temporários para relações não capitalistas e ignoram que os reais inimigos não são locais, mas abstratos e enraizados profundamente na estrutura do dia a dia. Os aceleracionistas querem libertar as forças produtivas latentes. Em nosso projeto, a plataforma material do neoliberalismo não precisa ser destruída. Ela precisa ser reprogramada em prol de finalidades comuns".

Já deu para notar que acelerar ou desacelerar está no cerne do conflito político dos nossos tempos.

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