Folha de S. Paulo


Paris e a privacidade

Os ataques em Paris foram tão trágicos que ameaçam reabrir uma das discussões mais difíceis dos tempos atuais: o conflito entre privacidade e vigilância generalizada.

De um lado, há a preocupação de que cidadãos não sejam bisbilhotados em seus afazeres cotidianos. De outro, há o interesse das forças de segurança de interceptar toda e qualquer comunicação na internet para combater o terrorismo. Essa prática vinha avançando com resultados incertos e de forma descontrolada, mesmo no Ocidente, até o momento das revelações feitas por Edward Snowden.

Agora, após os atentados em Paris, os argumentos pró-vigilância irrestrita devem se fortalecer novamente. Se isso ocorrer, será um erro tanto do ponto de vista da garantia de direitos fundamentais quanto do ponto de vista geopolítico.

Um dos pomos da discórdia desse tema é a questão da criptografia. Ela consiste na capacidade de "embaralhar" comunicações que são enviadas pela internet, permitindo que apenas o remetente e o destinatário possam ler o conteúdo. Após o caso Snowden, boa parte das grandes empresas de tecnologia do planeta adotaram a criptografia como um padrão dos seus produtos.

Um exemplo é a Apple. Se alguém envia mensagens pelo serviço iMessage, o conteúdo segue criptografado de ponta a ponta. Se alguma autoridade solicitar o acesso a ele, receberá um emaranhado de letras e inúmeros ilegíveis. Nem mesmo a Apple possui a chave para decifrar aquele conteúdo. A chave fica armazenada nos telefones de cada usuário, sem que a empresa (ou governos) tenham acesso.

Os Estados Unidos vinham apoiando esse modelo de criptografia forte, que não pode ser quebrada nem com ordem judicial. Essa decisão foi tomada após um estudo que levou mais de um ano para ser feito pela assessora em contraterrorismo, Lisa Monaco, e o diretor de cibersegurança da Casa Branca, Michael Daniel.

Faz sentido. Proibir a criptografia traz problemas graves. O primeiro é geopolítico. Países como a China estão acompanhando de perto o debate. Se países ocidentais banirem a criptografia, a China também o fará. As repercussões disso afetam a presença global das empresas chinesas (como o WeChat ou o Alibaba) e abrem a porta para novos níveis de repressão política.

Além disso, criar "portas dos fundos" na criptografia traz problemas técnicos, tornando a criptografia vulnerável. Terceiros podem conseguir acesso às chaves secretas. Com isso, pode haver uma insegurança generalizada, onde a web se torna um paraíso para cibercriminosos de alto ou baixo escalão.

Há formas eficazes de se combater o terrorismo sem jogar fora o bebê junto com a água do banho (por exemplo, a análise de metadados das comunicações). Será preciso enfrentar a questão de forma ponderada, o que nem sempre é fácil em momento como este.

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