Folha de S. Paulo


O futuro está na voz

Experimente escrever uma mensagem de texto no celular enquanto dirige. Além de colocarem sua vida e a dos outros em risco, as duas atividades são incompatíveis do ponto de vista cognitivo –competem pelas mesmas áreas do cérebro.

Como não temos processamento "paralelo" na cabeça, é preciso alternar a atenção entre uma coisa e outra. É um perigo. Isso aponta para um futuro que pertence cada vez mais às interfaces de voz.

Falar com nossos dispositivos não compete tanto por atenção quanto fixar os olhos em uma tela. É possível conversar com alguém (ou algo) enquanto fazemos outras coisas (até dirigir). Não espanta, assim, que as grandes empresas de tecnologia estejam apostando em "assistente virtuais" comandados por voz.

É por meio deles que virão os serviços baseados em "inteligência artificial". Vamos falar com os aparelhos e eles vão responder de forma fluida e crível.

A Apple, na semana passada, ampliou a presença da assistente virtual Siri para a Apple TV. Com isso, ficar procurando onde foi parar o controle remoto pode virar coisa do passado. Basta conversar com a TV e escolher o que assistir, pedindo inclusive sugestões. A empresa avançou também no uso da voz para segurança. Os iPhones terão em breve a possibilidade de identificar os usuários pela voz. Isso muda as possibilidades de autenticação, facilitando o acesso a sites e até o modo de fazer compras.

A voz ajuda também na inclusão digital. Crianças que ainda não sabem ler ou idosos com dificuldades de enxergar letras miúdas no celular poderão interagir conversando com seus dispositivos. Isso também facilita a expansão do acesso para regiões pobres, onde a interação por meio de texto esbarra em deficiências educacionais.

E, claro, o império da voz é também um prato cheio para a ficção científica conceber cenários distópicos, no melhor estilo da provocadora série inglesa "Black Mirror". Dá para imaginar um futuro em que veremos nas ruas da cidade grande parte das pessoas falando em voz alta, não umas com as outras, mas interagindo com seus dispositivos.

Nesse cenário, dá para supor que as conversas entre as pessoas serão cada vez mais mediadas por aparelhos. Em vez de pedir um café em uma loja, pediremos o café para o nosso celular, que por sua vez fará o pedido à loja.

Dirigir a palavra a outras pessoas corre o risco de se tornar algo apenas para círculos íntimos. As conversas do dia a dia poderão ser mediadas por "assistentes virtuais" –que podem filtrar o que falamos em tempo real removendo palavrões e termos controversos. A voz que ajuda também controla.

O teórico Marshall McLuhan sempre lembrava a centralidade do ouvido e da boca para todas as mídias. Centralidade essa que pode voltar com tudo, mesmo que hoje esteja ofuscada por um período em que os olhos reinam absolutos.

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READER

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