Folha de S. Paulo


Música eletrônica slash slash slash

"O som é profético", já dizia Jacques Attali. Ele é também um bom instrumento para se compreender o presente. Por isso não espanta que venha diretamente do Vale do Silício uma jovem produtora de música eletrônica que simboliza com seu trabalho uma parcela do imaginário contemporâneo ultraconectado.

Seu nome é Holly Herndon. Ela tem 35 anos, é bonita e está terminando o doutorado na Universidade Stanford. É exemplo perfeito da geração "///" ("slash slash slash" ou "barra barra barra"). Jovens que para descrever o que fazem precisam recorrer a várias barras tipográficas para separar suas muitas atividades. Como é o caso dela: acadêmica/produtora musical/performer/crítica e assim por diante.

Holly lançou em maio deste ano o álbum chamado "Platform" ("Plataforma"). Ao falar sobre ele, cita como influências mais filosofia, sociologia e política do que outros músicos. O nome "Plataforma" é referência ao designer Benedict Singleton, que diz que, "em vez de tentarmos prescrever soluções para o futuro, devemos construir plataformas onde as pessoas possam se comunicar e interagir de vários modos para, conjuntamente, se resolver problemas e gerar soluções criativas de modo novo e interessante".

Em sua música, Holly aposta em um programa aberto para dar conta da complexidade dos tempos atuais. Uma boa lição para partidos políticos que buscam se reinventar em momento de progressiva fragmentação ideológica.

Para além da política, Herndon faz uma das músicas eletrônicas mais desafiadoras dos tempos atuais. Seu método é revelador dos hábitos de uma certa juventude global rica e conectada. Todas as músicas foram feitas usando só seu laptop pessoal. Nenhum instrumento foi utilizado no processo. O álbum foi gravado enquanto ela circulava pelo planeta, em cidades criativas globais como Berlim, Londres ou San Francisco (onde mora).

Outro elemento são as colaborações com gente de várias especialidades: a soprano Amanda DeBoer, a artista radiofônica Claure Tolan, e o artista conceitual Spencer Longo. Tudo pela internet, de laptop para laptop. Encontros presenciais são secundários. Sua música emerge assim não só da sua cabeça, mas também da sua rede social.

Sobre a necessidade de ser absolutamente moderna, diz: "Quero que a minha música dialogue com o ano em que ela é feita. Não gosto de ouvir gente emulando sons de tempos que já passaram". E dá-lhe modernidade. O álbum tem uma canção de amor feita para um agente da NSA ("Home"). E outra para o seu laptop ("Chorus"). Batidas e vozes são picotadas por algoritmos. O jornalista californiano Britt Brown arriscou dizer que Holly "faz com que tudo que exista na sua coleção musical pareça datado".

Claro que daqui a um ano ela também estará datada. Mas vai ser bom aproveitar esse efêmero sopro de contemporaneidade até lá.

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JÁ ERA
Casamento só entre homem e mulher

JÁ É
Casamento entre pessoas do mesmo sexo

JÁ VEM
Casamento solteiro (de uma pessoa só) já em prática na Coreia


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