Folha de S. Paulo


Os três Poderes estão em pleno striptease moral

Ricardo Borges/Folhapress
O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho é levado à sede da Polícia Federal após ser preso na manhã desta quarta-feira
O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho é levado à sede da Polícia Federal após ser preso

O Estado brasileiro –e não apenas o Legislativo, mas todo ele– está na berlinda. A sociedade, diante de tantos desmandos dos agentes públicos, reage entre perplexa e indignada.

A corrupção, levada ao paroxismo na era PT, agregou à crise econômica e social a crise moral, que enfraquece (ou mesmo retira) a autoridade dos governantes para impor medidas de austeridade.

Sem credibilidade, não se governa, sobretudo em tempos de crise avassaladora, cuja consequência mais dramática é um contingente de mais de 12 milhões de desempregados e um Orçamento deficitário em mais de R$ 170 bilhões.

Nesse sentido, o quadro do Rio de Janeiro é emblemático: dois ex-governadores presos –Anthony Garotinho e Sérgio Cabral– e o atual, Luiz Fernando Pezão (vice de Cabral), sem condições morais de pedir sacrifícios à população. O que lá aconteceu integra a crônica da Lava Jato: roubo ao Estado, numa escala sem precedentes.

Resultado: desemprego, caos social e servidores chamados a pagar a conta da bandalheira –e que, com toda razão, se recusam a fazê-lo. Simultaneamente, vêm à tona listas de vencimentos no âmbito do Judiciário, em que, para além dos salários, já de si altíssimos, alguns juízes e desembargadores auferem, a título de "auxílios" e "gratificações", ganhos mensais de até R$ 200 mil.

Quadro semelhante se encontra em diversos feudos da máquina pública. São os três Poderes em pleno striptease moral. O foco habitual recai sobre o Congresso, por ser o mais transparente e acessível dos Poderes, mas as anomalias envolvem todo o Estado, inclusive o Poder incumbido de corrigi-las, o Judiciário.

O aplauso à Lava Jato decorre do fato de que se tornou ponto fora da curva: age e mostra resultados com um dinamismo sem precedentes. Mas é preciso ir além das medidas meramente punitivas, que, mesmo indispensáveis e inadiáveis, constituem só o passo inicial. É preciso reformar o Estado, reduzi-lo a um tamanho que o torne eficaz e governável.

É preciso despojá-lo de privilégios e aberrações, a começar pelo foro privilegiado, cuja extinção está em exame no Senado e terá meu voto.

O Brasil é um país em que o Estado precede a sociedade. Quando da chegada da família real portuguesa, em 1808, veio a bordo um Estado pronto e acabado, com privilégios e ostentações, estabelecendo-se perante uma colônia. As circunstâncias fizeram do Brasil, da noite para o dia, o Estado-sede do Reino Unido.

Mesmo com a República, essas anomalias se mantiveram. E um Estado gigante, de costas para a sociedade, é um convite à tentação populista e revolucionária, que o projeto petista de perpetuação no poder soube explorar.

A crise brasileira requer mais que ajuste econômico; requer a remodelação do Estado. E a PEC que limita os gastos públicos (a 241, hoje no Senado, sob o nº 55) dá o primeiro passo: enquadra o Estado em benefício do cidadão, que o sustenta. Algo bem diferente do que (lembra-se?) propunha Dilma: corte de até 30% nos salários e recriação da CPMF.

A crise está nas ruas, e os remédios para enfrentá-la só terão eficácia se a sociedade identificar um sentido para seu sacrifício. Não havendo, os baderneiros, que construíram a ruína econômica, irão manipular a justa ira popular, redirecionando-a para seu projeto predatório de poder. Cabe ao governo dar esse norte ao país.

Para tanto, precisa depurar-se, cortar na própria carne, abstendo-se de privilégios e cumplicidades; precisa munir-se de força moral para dar aos brasileiros a garantia de que não teme as mudanças nem é refém dos erros dos que o precederam no poder.


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