Folha de S. Paulo


Fim da farra dos cartões

O termo transparência tornou-se recorrente no dicionário político nacional. Não há quem não o insira em discursos de campanha ou em profissões de fé ideológicas, à esquerda e à direita. No Senado há, aliás, uma comissão permanente com esse nome e o governo Temer acaba de destinar-lhe um ministério, em substituição à antiga CGU (Controladoria-Geral da União).

Transparência, pois, tornou-se sinônimo de ética na política. No entanto, na prática, vai-se pouco além da retórica. O simples fato de os gastos da Presidência da República estarem protegidos pela rubrica do sigilo, assim como os dos cartões corporativos de alguns funcionários graduados, evidencia que há ainda zonas de sombra onde deveria haver nitidez e clareza.

Nada justifica que os gastos pessoais de um governante sejam secretos –muito menos os de servidores, não importa o escalão. Os únicos a merecer tal reserva são os que envolvam a segurança do Estado. Fora disso, transparência neles.

O contribuinte, que arca com esses gastos –e paga uma das cargas tributárias mais altas do planeta–, tem o direito de saber para onde vai seu dinheiro. Não é casual que, nas sucessivas manifestações de rua, em que milhões protestaram contra o governo, a qualidade e a decência do gasto público tenham sido temas centrais.

Em tempo de crise, o clamor, como é óbvio, aumenta. O descaso induz à gastança. Um exemplo: no ano passado, numa viagem oficial de apenas três dias aos Estados Unidos –de 27 de junho a 1º de julho–, a presidente Dilma Rousseff fez-se acompanhar de uma comitiva de nada menos que 57 assessores, que se hospedaram em alguns dos mais caros hotéis de Nova York.

A comitiva alugou 24 veículos de luxo, entre os quais quatro limusines e um caminhão, para transportar compras pessoais. Custo apenas desse quesito: US$ 224,6 mil –quase R$ 900 mil. O gasto, protegido pela rubrica do sigilo, não chegaria ao conhecimento público não fosse por um detalhe prosaico: o calote aplicado pela Presidência à empresa que alugou os carros e que acabou registrado pela imprensa norte-americana.

Quanto se gastou em hotéis e restaurantes –e sobretudo se as despesas se estenderam às compras pessoais–, não se sabe. Segredo de Estado. Para corrigir tal distorção, apresentei projeto de lei, já aprovado na Comissão de Transparência do Senado, que determina divulgação na internet dos gastos pessoais da Presidência da República, bem como dos cartões corporativos do governo federal.

O texto será agora apreciado em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça, antes de seguir para a Câmara. O relator da matéria, senador Antonio Anastasia, incluiu na proposta critérios para uso dos cartões corporativos, além de minuciosa publicidade dos seus gastos.

O projeto determina que os gastos, hoje secretos, da verba pessoal do presidente e de sua família –com alimentação, transporte, bebidas, empregados domésticos, saúde, presentes, viagens e hospedagens– sejam divulgados no Portal da Transparência. Tudo o que envolver despesas aos cofres públicos terá de ser divulgado. E não só: com relação aos cartões corporativos, além dos valores e da justificação, devem constar nome e matrícula do servidor.

Não tenho dúvida de que o projeto será aprovado, dada a sua sintonia com as demandas da sociedade, farta de discursos e carente de exemplos –e os exemplos, diz o ditado, devem vir de cima.

A iniciativa vale pelo valores envolvidos e o seu simbolismo. Numa República digna desse nome, não há espaços para segredos e festas com o dinheiro público.


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