Folha de S. Paulo


Decisão que favoreceu aplicativos foi uma pequena, mas importante vitória

Paulo Whitaker/Reuters
Uber drivers protest against a legislation threatening the company's business model that is to be voted in Brazil's national congress, in Sao Paulo, Brazil October 30, 2017. REUTERS/Paulo Whitaker TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: UBTPX01
Protesto de motoristas do Uber em São Paulo na última segunda-feira (30)

Que diferença quatro anos fazem. Até junho de 2013, os políticos atuavam como bem entendiam, sem qualquer temor de serem pegos com as calças nas mãos, ou sofrerem represálias republicanas por parte da sociedade. Sem percepção de risco, roubavam do país e dos brasileiros dinheiro, crescimento, progresso. Pior, roubavam a esperança de que é possível mudar, dado que "o brasileiro é passivo e aceita tudo".

Depois do levante da sociedade, quando velhos e novos tomaram o teto do Congresso, as ruas e a internet, a classe política teve de mudar seu modus operandi. Foram obrigados a projetar em suas estratégias a reação da população. Antes, uma votação no Congresso era influenciada por um grupo de meia dúzia que fazia barulho na Esplanada dos Ministérios.

Agora, a mesma votação é influenciada por milhões de pessoas que se comunicam diretamente com esses parlamentares exigindo um posicionamento. Estamos ainda bem longe do ideal, mas caminhando a passos largos. Nesta semana, tivemos um exemplo vivo disso.

O Senado Federal estava prestes a aprovar um projeto de lei absurdo, o PLC 28, já aprovado pela Câmara dos Deputados. Ao inviabilizar o negócio das empresas de transporte por aplicativo, o Senado cessaria todos os benefícios conquistados pela população na área de mobilidade. Não poderíamos mais ter a liberdade de termos um carro com motorista aparecendo na nossa frente ao aperto de dois botões.

Quinhentas mil famílias de trabalhadores nesses aplicativos perderiam seus empregos e fonte de renda. A produtividade do país, dependente dos péssimos serviços de transporte prestados pelo Estado, empacaria o Brasil mais uma vez diante da competitividade global. Além de vergonhoso retrocesso, a regulamentação excessiva seria cruel com trabalhadores e usuários.

No último minuto do segundo tempo, a população foi mobilizada. Motoristas, empresas, movimentos sociais e cidadãos, e não os sindicatos, se uniram para, em uníssono, exigir respeito. Alguns poucos senadores, responsáveis e desvinculados dos interesses de sindicatos e outros retrógrados corporativos, abraçaram a causa e capitanearam uma reação do Congresso. Deu certo. Temos agora a chance de se manter os direitos conquistados pela população: serviço privado, de qualidade, sem a interferência do Estado interesseiro, corrupto e incompetente.

Como diz dona Oadia, uma tia querida e sábia, hoje com 96 anos: "Nós nos acostumamos com tudo, até com coisa ruim". Pois nós nos acostumamos com péssimos serviços vindo de um Estado ineficiente e inchado. Um Estado que, ao afugentar a iniciativa privada com excesso de regulação e impostos, promove a corrupção e nos entrega serviços precários e miseráveis, quando existentes. Precisamos nos desacostumar desta cidadania nutrida por esmolas, e exigir um Estado novo e eficiente.

Esse sistema é sustentado por todos os poderes. Pelo Executivo, que paga qualquer preço por apoio e proteção. Pelo Legislativo que, por interesses pessoais, não aprova as mudanças necessárias e quando as aprova é para piorar (como quase foi o caso do PLC 28). E pelo Judiciário, que tira da cadeia "o rei do ônibus" e cede a pedidos inescrupulosos da defesa de um governador que quebrou não apenas os serviços de transportes, mas as finanças, a esperança e o próprio Estado do Rio de Janeiro.

O esquema é grande. Temos que comemorar vitórias como a desta semana e nos munirmos dela para continuar a exercer pressão naqueles que se abastecem do continuísmo para alcançar mais dinheiro e poder.

Fechando com uma reflexão positiva: quanto mais próximo das eleições, maior o medo da classe política em desagradar seus eleitores, e mais resultados trazem a pressão digital das ruas.

Caros parlamentares, agora que acabaram as barganhas do processo de investigação de nosso encrencado presidente, ponham-se a trabalhar pelo país. Vocês ainda têm 11 meses de mandato, justifiquem seus cargos e salários. Estaremos acompanhando cada passo.


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