Folha de S. Paulo


As armas de cada um

Pedro Ladeira/Folhapress
Câmara dos deputados durante votação que barrou denúncia de corrupção feita contra Michel Temer
Câmara dos deputados durante votação que barrou denúncia de corrupção feita contra Michel Temer

Nos últimos 40 dias, diante da denúncia do Ministério Público contra Michel Temer, assistimos a um ciclo inteiro, com começo, meio e fim, de como funciona o sistema político brasileiro.

O presidente, precisando de apoio a qualquer preço, coloca a máquina, sua maior arma, para trabalhar para si mesmo. Com poder de barganha, os deputados aliados começam a salivar. Exigem dinheiro, favores e cargos. A oposição faz o esperado, desta vez com argumentos de sobra. O Congresso como um todo, em vez de cobrir o vácuo e avançar a agenda legislativa da qual o país depende, concentra-se exclusivamente em ganhos próprios. Passam 40 dias sem nada fazer pela nação. Um ciclo típico do nosso sistema político, falido.

Há um agravante. Mesmo se gastando uma fortuna em tempo e dinheiro, trocando parlamentares nas comissões, exonerando ministros para conseguir meia dúzia de votos a mais e chantageando cargos por apoio, a vitória do governo foi pífia. O tamanho da base aliada, revelado, deixa claro que Temer, daqui para frente, não conseguirá aprovar nada relevante. Com isso, cai por terra o último argumento dos que, mesmo reconhecendo a gravidade dos atos do presidente, preferiram fechar os olhos para a obviedade ética: a necessidade de uma investigação. Argumentavam que, pelo bem do país, era melhor que Temer ficasse para "tocar as reformas". Ora, com 263 votos, a única reforma que se consegue aprovar é reforma de prédio.

Enquanto os deputados estavam ocupados alavancando seu poder de barganha, poderosa arma, alguém trabalhava, quieto, em outro projeto, muito mais nefasto. Nos últimos 40 dias, Vicente Cândido (PT) esteve concentrado na criação de uma nova arma, letal para a sociedade. Ele está finalizando uma proposta para levantar R$ 3 bilhões adicionais para os políticos se lambuzarem nas próximas eleições. Com cláusula de barreira, ele garante que apenas os grandes partidos terão acesso à dinheirama eleitoral. PT, PMDB e PSDB vão fazer a festa. Observe a velocidade com que essas medidas tramitarão no congresso. Enquanto projetos de nosso interesse, como o fim do foro privilegiado, permanecem parados, as toneladas de dinheiro, de interesse deles, avançarão a toque de caixa. Eficiência, quando interessa.

O Brasil não tem um ditador obcecado por armas nucleares. Não tem, ainda, um ditador bonachão vestido de vermelho que deixa a população sem remédios e com fome. Mas tem um congresso radiativo, que desenvolve em benefício próprio uma reforma política que pode explodir o pouco que nos resta, aumentar a fome e a doença, sob os nossos olhos, na maior cara de pau.

Mais do que indignação, isso causa repugnância. Mas o que resta a nós, meros mortais sem privilégios, fazer?

Só temos duas armas. Cobrá-los e não os reeleger. Está provado que quando o gato vai passear e a pressão diminui, os ratos fazem a festa. E está provado que se não renovarmos esse Congresso, teremos devastação nuclear a partir de 2019.

Para renovar, coloque uma marca não apenas nos que votaram contra a ética e os interesses da população, mas naqueles que não se posicionaram. Atenção: a sociedade criou ferramentas que escancaram a posição de cada parlamentar nas importantes votações. Como os parlamentares estão se defendendo? Colocam-se como indecisos, apesar de saberem como votarão. Escondem a perversidade por trás da indecisão. A sociedade, que sabe traduzir indecisão por covardia, prepara uma lista com seus nomes.

O sistema político e seus atores não vão mudar, a menos que a sociedade use essas armas. São pacíficas, eficientes, são as armas que você tem.


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