Folha de S. Paulo


Um olho no Congresso, outro no bolso

Getty Images/BBC-Brasil
Reforma trabalhista tramita no Congresso e pode mudar relações entre patrões e empregados
Plenário da Câmara Federal durante votação da reforma trabalhista

Um bom mágico é invariavelmente um bom ilusionista. Enquanto te faz olhar para uma mão, faz o truque com a outra. É exatamente isso que o Congresso está fazendo com você. Cuidado para não olhar para onde eles querem. Você está prestes a ser iludido.

Não por acaso, o caso Temer domina o noticiário político. As manobras na CCJ, a compra de votos por emendas, as tentativas de trapaças no regulamento —tudo é digno de pódio na corrida ao fundo do poço da dignidade política. Além disso, nos entorpecem as notícias de condenação e punições do chefe da gangue. Seja um assunto ou outro, é para cá que o Congresso quer que você olhe. Enquanto isso, os parlamentares armam os maiores botes dos últimos tempos, nos cofres públicos e na representatividade.

Comecemos pelo básico. O fim do chamado foro privilegiado foi aprovado no Senado por 69 a zero. Grande vitória da população, já que o caso só foi levado a plenário após um pedido de urgência que se materializou quando a sociedade fez pressão nos senadores. Isso foi em 31 de maio de 2017. Apesar do placar unânime, ninguém se dispôs a colocar a PEC em andamento na Câmara. E nem vão —os parlamentares saíram de férias sem tocar nela. Só o farão por pressão popular.

Outra obra do Congresso, oculta por ilusionismo, tem a ver com aumento de impostos. Diante da estagnação da reforma da previdência, a equipe do Ministério da Fazenda está muito próxima de iniciar um ciclo de aumento da carga tributária.

Não se pode culpá-los, já que precisam fechar o orçamento, e o rombo previdenciário corre como fogo morro acima, invadindo e destruindo o que encontra pela frente. Quer culpados? Então olhe de novo para o Congresso, especificamente para os parlamentares populistas defensores da manutenção de privilégios, escondidos por trás de máscaras como defensores de "direitos". São esses cínicos que obrigarão o governo, seja quem for o presidente, a aumentar impostos. Em tempo, não esqueçamos das culpadas. Para encontrá-las, basta olhar para quem anda comendo marmita na mesa diretora do Senado. E para quem se coloca de guarda-costas atrás delas. De novo, o Congresso, não o presidente, está no comando da crise.

Por último, o golpe mais letal do Congresso. O maior do biênio 2017-2018, que inclui as eleições do ano que vem. Em meio à crise econômica, com direito a contingenciamento e ameaça de corte de serviços básicos, iminente aumento de impostos, caos em governos estaduais, sistema de saúde em frangalhos e professores mal pagos, os congressistas querem aumentar o dinheiro que ganham para eleições em R$ 3 BILHÕES. Sabem que, se não tirarem esse dinheiro de nós, não serão reeleitos, dada a cova que cavaram para si mesmos. Para manterem o cargo e o foro (daí a estratégia do encalhe desta frente), estão tentando aumentar em 12 vezes o dinheiro que tiram dos nossos impostos, (como se os R$ 819 milhões atuais já não fossem ultrajantes o suficiente). O grande relator dessa proposta é Vicente Cândido, do PT. Ele diz que Romero Jucá já "tem coordenado um grupo lá no Senado para que, ao chegar lá, não precise sofrer modificações".

Nosso Congresso, com poucas exceções, joga para o Executivo, Judiciário, Ministério Público ou quem quer que achem pela frente, uma responsabilidade que é só dele: criar e aprovar as leis que nos tirem desse buraco. Além de não cumprirem seu papel, impedem os raros avanços originados do Executivo, e investem tempo e dinheiro em criar as leis que os safem da Justiça, cada mais próxima de seus cangotes.

Enquanto armam esse bote, chamam sua atenção para Temer, Lula e marmitas. É para lá que querem que você olhe, enquanto enfiam a outra mão no seu bolso e batem sua carteira. Muito cuidado para onde você está olhando.


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