Folha de S. Paulo


Roubar sem ser pego passou a ser quase impossível

Guilherme Pupo - 20.fev.2017/Folhapress
Prédio da Polícia Federal em Curitiba
Prédio da Polícia Federal em Curitiba

A corrupção não vai acabar no Brasil, mas ela nunca mais será a mesma.

A tecnologia tem enorme participação nessa transformação. Câmeras nas ruas, corredores e elevadores, câmeras nos celulares, gravadores de bolso, grampos telefônicos, chips de rastreamento, histórico de transações financeiras. Com tantos instrumentos, somados a um Judiciário crescentemente independente e competente, roubar sem ser pego passou a ser quase impossível.

Não se rouba dinheiro público sozinho. É preciso ter cúmplices, ao seu lado, e contrapartes, do outro lado. Quem achou que sabia cometer crimes perfeitos esqueceu-se de que o segredo não era só dele. Eis que os cúmplices e contrapartes, para salvar o próprio pescoço, entregam todos. Santa delação premiada.

A pirâmide desmoronou. Os políticos, agentes públicos e empresários, motivados pela impunidade que acabou sem pré-aviso, caem um a um. Poucos restarão. O momento é histórico por estarmos entre duas eras. É a Revolução Brasileira.

Durante a transição entre o antigo e o novo, a percepção de evolução não é clara. É difícil sentir progresso enquanto escândalos inescrupulosos são revelados. Ficamos com a impressão de que estamos regredindo, já que os agentes do sistema antigo não morrem de uma hora para outra. Eles resistem, esperneiam, gastam milhões com advogados que prolongam seus reinados e cortes, ameaçam se safar, renascem e recaem. Os brasileiros do bem sofrem diariamente ao acompanhar esse show de horror, protagonizado por vampiros criminosos.

O Congresso, desesperado, tenta aprovar leis para se livrarem, em massa, da guilhotina. O Judiciário, assoberbado, é tentado pelo excesso de poder e responsabilidade. O Executivo, irreversivelmente comprometido, distribui as poucas cartas restantes de foro privilegiado aos amigos mais próximos. Lula, Dilma e Temer, os três presidentes da chapa petista, tentam, cada um à sua maneira e estilo, trocar verdades escancaradas por jogos de espelhos e fumaça que a mais ninguém enganam.

O jogo político é intenso. A base do governo, enquanto apresenta um discurso tipicamente peessedebista (isto é, em cima do muro), investe tempo e salários arquitetando uma transição, já avançada, para desembarcar do governo e se manter no poder. O Senado tenta evitar a ascensão da Câmara através de um projeto inescrupuloso e inviável de eleições diretas. Para coroar a novela mexicana, Renan Calheiros, mestre zumbi, renasce das cinzas para indicar Romero Jucá como membro da Comissão de... Ética.

Enquanto os vampiros do Brasil não recebem, um a um, seu golpe fatal com estaca de madeira no coração, continuam a sangrar o país e sugar o pouco que lhes resta. Esmagado entre as duas eras, o povo assiste, com sensação de impotência, às cenas patéticas de uma morte em mil atos, com a aflição de que ela, ao final, não ocorra.


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