Folha de S. Paulo


Ao povo, uma banana

O esperado aconteceu. Tudo que temíamos ser a realidade política e eleitoral do nosso país, há décadas, é sim realidade.

E é cruel. Políticos não trabalham para quem os elegeu, mas para quem lhes deu dinheiro com objetivos pré-acordados e não republicanos. Os R$ 820 milhões de nossos impostos que os partidos recebem a cada ano não precisam ser usados em campanhas eleitorais, já que para isso há dinheiro fácil de empresários em troca de favores legislativos e executivos. Grandes empresas que prestam serviços ao governo obtêm, como parte de seu modelo de negócios, geração significativa de receita por meio da corrupção de políticos que atuam em seus interesses. Em resumo, políticos e governantes não trabalham para o país e sim para quem financia sua permanência no poder. Ao povo, uma banana.

Somos obrigados a nos confrontar com uma realidade intolerável: as leis que regem o país foram feitas por legisladores corrompidos. Todos? Não, apenas a maioria. Mas uma maioria suficiente para perpetuar esse modus operandi e nos manter para sempre no atoleiro atual.

Com as perversidades dos personagens desse filme de terror escancaradas pelos seus próprios cúmplices, nos restam duas formas de lidarmos com esta realidade. Sair por aí reclamando deste estado calamitoso a que chegou a República, amaldiçoando políticos e partidos, e perguntando ao colega mais próximo se ele viu o último vídeo de pornografia política; ou tratar isso como uma chance histórica.

Será que não estamos diante da maior oportunidade para a transformação do país? Será que o afloramento do crime quase generalizado poderá nos proteger de sua continuação? Será que poderemos ser um país diferente daqui para frente? Só poderemos responder "sim" à essas questões se cada setor da sociedade fizer o seu papel de forma inédita.

Ao Judiciário, cabe processar os escândalos com rapidez.O maior problema do chamado foro privilegiado não é sua existência, mas sua dependência de um Supremo Tribunal Federal moroso. Justiça tardia não é justiça. Ou prescreve, ou permite que criminosos, soltos e com plenos poderes, se mantenham determinando o presente e futuro do país. Justiça plena do Supremo só será possível com a criação de uma força tarefa capaz de processar as centenas de investigações a tempo de afastar do poder quem não o exerceu dentro das regras, evitando que legislem em causa própria impedindo sua própria condenação, matando com um único golpe a justiça e nossa esperança.

Ao presidente cabe dar, independentemente do passado, um exemplo de conduta, afastando imediatamente de seu time todos aqueles envolvidos em crimes, não importa seu tamanho. Cabe reforçar, por palavras e ações, que não permitirá anistia. E o mais importante —cabe posicionar-se claramente contra as maracutaias que o Congresso prepara para se manter no poder em 2018, em vez de ser omisso ou conivente com elas.

Aos parlamentares cabe terem, depois das detalhadas as delações, mínima decência, mesmo que tardia, para acelerar as reformas tão cruciais para o país, e se absterem de legislar em causa própria —seja buscando anistia, seja aumentando o dinheiro vindo dos pagadores de impostos. Que legislem para o país, não mais para si mesmos.

E a nós, cidadãos, cabe exigir dos três Poderes essa conduta ética, sob pena de não mais os elegermos para qualquer função pública. É esse o nosso maior poder, e ele pode ser exercido todos os dias, exigindo novos comportamentos por meio de comunicação direta —telefonemas, e-mails, posts. Precisamos deixar claro que não mais poderão fazer o que bem entenderem.

A oportunidade é histórica. Se a aproveitarmos, temos uma chance de ouro para transformar o futuro do Brasil. Se desperdiçada, condenaremos os jovens a passarem pelo mesmo drama que passamos nos últimos 500 anos: um martírio eterno em que o futuro nunca chega.


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