Folha de S. Paulo


Ensimesmada, política brasileira produz muito calor e pouca luz

Peter Nicholls/Reuters
Britain's outgoing Prime Minister, David Cameron, accompanied by his wife Samantha, daughters Nancy and Florence (C) and son Arthur, speaks in front of number 10 Downing Street, on his last day in office as Prime Minister, in central London, Britain July 13, 2016. REUTERS/Peter Nicholls ORG XMIT: LON188
Em frente à residência oficial do premiê britânico, Cameron despede-se do cargo ao lado de sua família

SÃO PAULO - Nos últimos 21 dias, a política britânica decidiu que: 1) o Reino Unido deve sair da União Europeia; 2) o primeiro-ministro deixa o cargo; 3) uma mulher encabeça o novo governo.

No mesmo período, os destaques aqui foram: 1) o presidente da Câmara renunciou para tentar salvar seu mandato de deputado, o que até aqui vai conseguindo, e seus pares dedicaram seus dias a procurar um tampão; 2) a PF fez operações contra corrupção, enquanto o STF quis investigar bonecos infláveis; 3) um ex-presidente da República disse que o atual dono da cadeira não sabe governar.

O processo de troca na Câmara é o exemplo máximo de como, ensimesmada, a política brasileira produz muito calor e pouca luz.

A derrubada do presidente de um Poder (o Legislativo) está na raiz da queda do presidente de outro Poder (o Executivo). Os dois processos –a cassação de Eduardo Cunha e o impeachment de Dilma Rousseff– dominaram a agenda dos últimos meses, numa novela que, entre intermináveis menções ao regimento e infindáveis recursos, deve durar mais algumas semanas. Nada desse enredo tem impacto para o futuro do mundo comparável ao do que ocorreu no Reino Unido.

Encerrada a eleição de seu novo presidente, não sobrará muito de substantivo para a Câmara no ano. Como lembrou um dos candidatos à cadeira: julho é recesso, agosto tem Olimpíada, setembro e outubro são meses da campanha municipal.

Lá e cá, o vocabulário parlamentar também denota o contraste no que deveria ser a função precípua de um político. Em Brasília, na última aparição, Cunha apelou ao pescoço dos pares: "Hoje sou eu. Vocês, amanhã". Em Londres, David Cameron despediu-se nesta quarta (13) com um discurso pedindo que os colegas usem a política para construir coisas. "Como eu já disse, um dia eu fui o futuro." Cunha teria dificuldade até para sussurrar essa frase.


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