É num longínquo morro, acima das curvas de Gaudí no parque Güell, que Barcelona guarda o significado social de uma Olimpíada.
Chamado de "bairro impossível", pela agressividade do terreno onde floresceu, o Carmel simboliza um fato: a cidade aproveitou os Jogos de 1992 para acabar com suas favelas.
Assim como muitos morros cariocas, o bairro barcelonês teve multiplicada sua pobreza com a imigração maciça vinda de regiões mais pobres do país (sobretudo da Andaluzia), sofreu com o descaso urbano de uma ditadura (o franquismo) e penou com o tráfico de drogas (heroína, no caso).
A derrubada dos últimos blocos de barracas do Carmel, dois anos antes daquela Olimpíada, deu força a um poderoso processo de reorganização, palpável mesmo nestes tempos bicudos da economia espanhola. Há cinco meses, o metrô chegou ao bairro.
O desafio carioca é muito maior que o espanhol -o número de favelados do Rio tem grandeza comparável ao de toda a população de Barcelona (1,6 milhão de pessoas).
Se o drama é maior, ainda maior deveria ser a vontade política de atacá-lo.
Quando o Rio derrotou Madri, Lula envermelhou-se de choro e euforia. E foi lulamente dúbio sobre a questão. Disse que era uma chance de resolver de vez o problema, mas de imediato tateou o freio: "A Olimpíada não se comprometeu a acabar com a favela".
Nem poderia mesmo, dado o que tinha sido feito na campanha pelos Jogos.
O filme exibido ao Comitê Olímpico Internacional só mostrava o Maracanã por ângulos que escondiam o morro da Mangueira. As panorâmicas do Corcovado não deixaram espaço para o Dona Marta e para o Cerro Corá.
Imagem por imagem, aliás, chama atenção a foto de Lula na última semana, capacete posto dentro do Planalto, martelo à mão para atacar uma maquete da Perimetral do Rio.
Sérgio Lima - 27.dez.2010/Folhapress | ||
No Palácio do Planalto, Lula faz demolição simbólica de maquete do Elevado da Perimetral do Rio |
Nesse tipo de evento para a imprensa, os catalães pelo menos usavam marreta e cenário de verdade.
Reprodução | ||
Em ato simbólico, o então prefeito de Barcelona, Pasqual Maragall, derruba as últimas barracas do Carmel, em 1990 |
Na Espanha, costuma-se dizer que os Jogos deixaram consolidada uma marca: o "modelo Barcelona", síntese de como buscar uma cidade melhor para seus moradores.
No caso do Brasil, o que se tem neste fim de semana é uma logomarca olímpica, exibida na noite de Réveillon, e uma nova presidente que ganhou o rótulo de "mãe do PAC" em pleno Complexo do Alemão -onde nasceu a imagem de um país de fato disposto a resolver suas favelas.
Todas as imagens já reveladas, falta o principal. O que levará a presidente e os organizadores dos Jogos a tropeçarem na indagação que fez Josep Acebillo, um dos arquitetos de Barcelona-92, ao visitar o Brasil: "Se o país virar a quinta potência, as pessoas se conformarão em viver nas favelas em que vivem hoje?".
ROBERTO DIAS é editor-adjunto de Mercado