Folha de S. Paulo


Má imprensa

Uns dias de férias e de distância, com o bulício e o rame-rame das notícias bem longe, e eis uma amostra dos títulos que encontro na caixa de correio quando volto a carregar o telefone: "Dois mortos em acidente com guindaste em estádio do Mundial"; "Bandos de ladrões geram o pânico em famosas praias do Rio de Janeiro"; "Brasil chega à Copa de 2014 como campeão de gastos em estádios" Meu Deus, eu na praia em estado zen e de repente está tudo a correr mal no Brasil?

Uma sucessão de manchetes pavorosas (de que falamos quando falamos de má imprensa, diriam os gringos), a meio ano do início do campeonato mundial de futebol, não é exatamente o cenário idílico com que porventura sonhavam o comitê organizador, o Governo brasileiro, a Fifa, enfim, todos os envolvidos na Copa.

Acidentes acontecem, infelizmente, e muitas vezes - como no caso da Arena Corinthians - com consequências bem trágicas. Na preparação para o Mundial brasileiro, esta já foi a terceira vez que se registraram vítimas mortais em incidentes nas obras dos estádios, e independentemente das razões é sempre de lamentar quando alguém morre. Uma falha humana, um capricho do destino, é evidentemente algo imponderável: o problema começa quando uma repetição de imponderáveis, associado a outros factores, levantam a dúvida ou alimentam a polêmica. No caso, as perguntas multiplicam-se: estarão as obras prontas a tempo, estará a segurança dos recintos garantida, serão realizados todos os testes necessários, haverá maior derrapagem de custos? Naturalmente, estas questões tornar-se-ão mais ou menos acutilantes em função dos desenvolvimentos das próximas semanas e meses.

Ainda falta muito tempo para o arranque do torneio, a Fifa continua a emitir notas tranquilizadoras, garantindo que não há razão para entrar em pânico. As autoridades nacionais brasileiras, confrontadas com inúmeros desafios, têm feito o mesmo. No entanto, para quem está de fora (sobretudo para quem está fora do país, a apreende a realidade pela leitura destas notícias), a sensação que prevalece ainda é a incerteza, ou então o desconforto.

Antes de cada mega evento esportivo há uma gestão de expectativas dos organizadores, dos jornalistas, do público em geral, que não é coincidente. Episódios irrelevantes muitas vezes assumem uma importância desmesurada; fatos significativos podem passar desapercebidos. O nervosismo com os prazos, os custos, a prontidão, repetem-se em cada mega evento internacional: são comuns quer se trate da realização de uma Copa do Mundo, uma Olimpíada ou uma Exposição Mundial. O descontentamento da opinião pública nacional também é mais ou menos um dado adquirido - não deve haver uma única sondagem no mundo em que uma maioria de inquiridos tenha respondido estar satisfeita com as verbas do orçamento público gastas nesses projetos e iniciativas irrepetíveis (e que, indicarão os mesmos inquéritos, as pessoas prefeririam ver aplicadas noutros sectores).

Nesta nova era de ameaças globais, as dúvidas relativas à segurança também se tornaram quase uma banalidade. Não é só o espectro do terrorismo que gera medo: o sentimento de insegurança ou vulnerabilidade também tem origens sociais ou raciais. Nesse sentido, talvez as histórias mais "prejudiciais" para as pretensões brasileiras sejam as que dão conta da existência de bandos de marginais que roubam ou aterrorizam turistas nas praias. Com as atenções do mundo viradas para o país, as notícias sobre os arrastões ou a violência de rua podem ter um efeito bem mais desmoralizador do que os atrasos nas obras dos estádios.


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