Folha de S. Paulo


O simbolismo do futebol

Não faço ideia do que pensam os sérvios bósnios sobre a qualificação da Bósnia Herzegovina para a Copa de 2014 no Brasil, mas eu fiquei contente pela pequena e sofrida nação dos Balcãs que pela primeira vez na história chega a uma fase final de um campeonato do mundo de futebol.

Em 2010 e em 2012, a Bósnia Herzegovina ficou pelo caminho do Mundial e do Euro nos play-offs, das duas vezes por causa de Portugal (2-0 e 6-2, respectivamente) -- depois de ver as cenas de júbilo e felicidade nas ruas de Sarajevo, fiquei aliviada que o golo solitário de Vedad Ibisevic contra a Lituânia tenha impedido que a história se repetisse.

Porque se pensarmos em história, não podemos ignorar que há 20 anos atrás, a mesma capital que agora explodiu de alegria, vivia sob um cerco brutal: nessa altura não era o fogo de artifício de iluminava os céus, mas o fogo de artilharia.

Quase como se fosse um milagre, as tensões étnicas que actualmente mantêm a sociedade quase tão dividida como durante a guerra, e a disfunção política que resulta do facto de o país ser governando por duas entidades autónomas, foram temporariamente esquecidas, ultrapassadas pela extrema alegria e orgulho de entrar no restrito clube dos países do Mundial.

Não será seguramente o futebol quem vai curar as feridas, afagar as mágoas e saldar as dívidas de décadas de pressões sectárias e nacionalistas na Bósnia. Mas a selecção nacional provou que esse é um objectivo possível: os futebolistas foram recebidos como heróis, mas deviam ser olhados como exemplos de um país que, na prática, continua ainda a ser apenas uma promessa.

Como infelizmente notava a Comissão Europeia, atirando um balde de água fria aos foliões que festejaram a qualificação para o Brasil, o progressos político na Bósnia Herzegovina continua "muito limitado": "Uma visão conjunta e partilhada por todos sobre qual deve ser a direcção e o futuro do país, ainda não existe", dizia o relatório de Bruxelas.

Pelo contrário, nem em Portugal nem na Grécia, houve alegria futebolística para distrair as torcidas dos seus dramas quotidianos. Os times têm sido uma imagem dos respectivos países, mergulhados na crise e massacrados pela austeridade.

Se quisermos usar o futebol como simbolismo ou metáfora, podemos dizer que os dois países passaram toda a fase de qualificação a insistir que era difícil mas não era impossível chegar ao fim; que era preciso trabalho, e sacrifício, e união e humildade, para vencer -- são exactamente as mesmas frases que ouvimos todos os dias, repetidas pelos nossos governantes e também pelos nossos credores internacionais.

O pior é que, tal como com o programa da assistência financeira, o pessoal sofreu para nada: assistimos, desanimados e descrentes, ao triste espectáculo da selecção a desperdiçar todas as oportunidades. Agora, temos de sofrer outra vez nos play-offs: como com as medidas da troika, cada vez ouço mais gente a dizer que já chega.


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