Folha de S. Paulo


Conta-corrente

Eu sei que já foi ontem, mas apeteceu-me escrever o jogo entre o Bayern de Munique e o Chelsea para a Supertaça Europeia, em Praga, e não por causa do resultado ou dos lances da partida.

Contra o time dirigido pelo meu compatriota José Mourinho, estava a torcer pelos bávaros: afinal, há três meses, os de Londres beneficiaram da sorte do jogo para bater o meu Benfica na final da Liga Europa. Pelo seu lado, os alemães fizeram uma temporada irrepreensível, repleta de golos e emoção. Só por isso seriam óbvios e justos vencedores, mas sabemos que o futebol não é o reino da lógica o que logo prenunciava um desfecho diferente

Mas o que me interessou mais no emocionante jogo de sexta-feira foi toda a excitação gerada de antemão pelo duelo dos técnicos: Pep Guardiola versus José Mourinho, os "inimigos íntimos", como lhes chamou com graça o El País. As incidências do jogo foram tratadas como um detalhe, uma nota de rodapé a pontuar a grande narrativa da noite, que não tinha nada a ver com a oportunidade do Bayern vingar a derrota (em casa e nos pênaltis) contra o Chelsea na final da Champions de 2012.

Por mais que um e outro insistissem que o jogo não tinha nada a ver com eles, mas antes com os respectivos clubes, o que espicaçava a curiosidade de todos era a grande rivalidade entre os treinadores que antes se digladiavam com as cores de Madrid e Barcelona (e em abono da verdade, esse ângulo foi explorado por todos os jornais de todo o mundo e não apenas pelos periódicos espanhóis).

Houve quem argumentasse mais no sentido do choque de personalidades e quem preferisse focar a sua prosa no embate de duas filosofias e dois modelos de jogo radicalmente opostos. Mas qualquer que fosse a variação na abordagem ou no estilo, a substância - o cerne da questão - não diferia. Indiferentemente às equipas que os dois técnicos herdaram, e do pouco que entretanto construíram, ou ao troféu em disputa, a história da partida escreveu-se na primeira pessoa, não no colectivo.

Não deixa de ser curioso que as novas temporadas competitivas arranquem com uma espécie de tira-teimas ou ajuste de contas relativo à temporada passada. Não foi o caso em Praga. E definitivamente, o jogo de ontem não fechou o livro nem o saldo entre os dois homens no banco: foi só mais um risco na conta-corrente de Mourinho e Guardiola.


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