Folha de S. Paulo


Sim ao boicote da Olimpíada de Sochi

A maior parte das vezes, as comparações seja do que for com a Alemanha de Hitler são algo exageradas. Mas no caso do argumento avançado pelo actor e escritor britânico Stephen Fry, numa carta enviada ao Comité Olímpico Internacional a propósito da realização dos próximos Jogos de Inverno na Rússia, a evocação das teorias nazistas não parece totalmente descabida:

"Escrevo com a sincera esperança de que todos os que amam o desporto e o espírito olímpico reflictam sobre a mancha que caiu sobre os cinco anéis nos Jogos de Berlim de 1936, que se realizaram sob a égide de um tirano que dois anos antes tinha aprovado uma lei que levou à perseguição de uma minoria cujo único crime foi o acaso do seu nascimento", lembra, para a seguir se referir à perseguição da comunidade LGBT pela Rússia de Vladimir Putin.

Fry pediu ao COI para resistir "às pressões do pragmatismo, ao dinheiro, à cobardia dos diplomatas" e impedir a realização dos Jogos de Sochi. É um pedido irrealista - ao contrário dos apelos ao boicote da olimpíada de inverno que também andam a circular, e que eu apoio totalmente.

As lições da História são demasiado importantes para ser ignoradas, e demasiado insuportáveis para ser repetidas. Naturalmente ninguém imagina que a Rússia embarque na loucura do extermínio em massa de homossexuais e transsexuais, mas provavelmente ninguém suponha que as leis anti-semitas de Nuremberga fossem degenerar no Holocausto.

A legislação de Putin que proíbe a "propaganda da sexualidade não tradicional" serve, neste momento, para dar cobertura oficial à humilhação, espancamento, tortura e assassínio de cidadãos gay, bissexuais ou transgénero. É uma lei preconceituosa, discriminatória e uma evidente violação dos mais básicos direitos humanos, e que deixa qualquer pessoa de bem que seja denunciada às autoridades russas em risco de "punições" bem mais sérias do que o pagamento de uma multa.

Que fique claro: todos aqueles que viajarem para Sochi para participar na olimpíada estão em risco por causa desta abjecção legal. Na minha opinião, é motivo suficiente para boicotar os Jogos: enquanto culturas evoluídas, não podemos compactuar com a brutalidade oficial reservada a uma parcela da sociedade.

O Presidente dos Estados Unidos Barack Obama denunciou esta semana a atitude de Moscovo, sublinhando que "no que diz respeito às liberdades fundamentais, qualquer discriminação, seja por raça, religião, género ou orientação sexual, viola a moralidade mais básica que transcende as fronteiras dos países". No entanto, Obama não apoia o boicote dos Jogos de Sochi.

Como lembrou esta semana o repórter americano da ESPN, LZ Granderson, apesar de as vitórias do icónico Jesse Owens nos Jogos de Berlim terem sido uma clara provocação às teorias hitlerianas da superioridade da raça, o facto é que os Estados Unidos retiraram da competição dois atletas judeus. Pergunto-me se agora os norte-americanos estarão dispostos a deixar para trás os atletas gay


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