Folha de S. Paulo


Viva o Tour!

A centenária Volta à França em bicicleta arranca na ilha da Córsega e prova que, mesmo depois de cem edições, ainda é capaz de inovar e surpreender.

Aliás, deve ser difícil encontrar em todo o universo esportivo uma competição que seja tão prolífera em novidades e surpresas, que habitualmente se traduzem em grandes escândalos e controvérsias. Como alega um novo álbum comemorativo intitulado "Tour de France", editado pela Quercus Books a tempo de assinalar a data bem redonda, o segredo do fascínio eterno com a prova pode bem explicar-se pela sua natureza eminentemente transgressora, e pela sua intriga e dramatismo --nesse aspecto, acrescentar o cenário de montanha da Córsega ao percurso da Volta só pode ser considerada uma excelente ideia.

Claro que o verdadeiro drama do Tour não tem tanto a ver com a paisagem. São as inúmeras histórias de génio e heroísmo, de rivalidade e companheirismo, e também de desgosto e decepção que nos animam a cada ano. Na galeria da Volta à França estão inscritas cenas pouco edificantes, logo desde a sua primeira edição, quando o vencedor Maurice Garin destruiu a bicicleta do seu principal concorrente e o subornou para abafar o caso.

Mas também episódios notáveis como por exemplo o que envolveu Eugène Christophe, um dos favoritos à vitória na corrida de 1913 mas que ficou com a bicicleta desfeita na descida do Col du Tourmalet. O atleta, que tinha sido ferreiro, desmontou e desceu a montanha com a bicicleta ao ombro, mas recusou abandonar a corrida: perdendo a liderança, reconstituiu sozinho a bicicleta e chegou até Paris.

Na mesma galeria, encontramos alguns dos mais extraordinários atletas do século XX, do campionissimo italiano Fausto Coppi, cujo domínio absoluto chegou a traduzir-se num avanço de meia hora para o segundo classificado; ao recordista belga Eddie Merx, único homem que foi capaz de acumular a vitória na classificação geral, classificação dos pontos, classificação da montanha e o prémio da combatividade, tudo na mesma edição; aos não menos impressionantes Bernard Hinault ou Miguel Indurain.

A emoção para a edição que arranca neste sábado está mais do que garantida, e mais ainda depois do agora infame Lance Armstrong, que perdeu os seus sete títulos do Tour por causa do uso de substâncias ilícitas, ter aparecido a garantir que nos tempos que correm "é impossível" vencer a volta sem recurso ao doping --veremos.

Em cem anos houve tempo para muitas mudanças no ciclismo. Mas o Tour continua a ser a maior e mais espectacular corrida de bicicletas do mundo. Partida e viva a Volta à França!


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