Folha de S. Paulo


O novo clube de futebol de Nova York

O nascimento de um novo clube de futebol para disputar o campeonato nacional americano MLS, com o patrocínio do Manchester City da Inglaterra, foi apresentado pelo jornal The New York Times como um novo capítulo na saga da rivalidade histórica e o antagonismo declarado entre os dois principais times da cidade, os Mets e os Yankees (que estão envolvidos no projecto e serão co-proprietários do New York City Football Club). Times de baseball, entenda-se - o futebol (soccer) é um fenómeno demasiado recente para poder alimentar divisões e ressentimentos figadais entre os torcedores dos Estados Unidos.

O artigo que descrevia desta forma - nada óbvia - o negócio assinado pelos investidores dos Emirados Árabes Unidos, os donos do Manchester City da Inglaterra e promotores do novo clube nova-iorquino, com os administradores dos Yankees, prendeu-me ainda antes de terminar o primeiro parágrafo. "Um time nasceu, mas nem todos aplaudem", prometia o título.

O artigo era sobre as complicações burocráticas e os obstáculos políticos que os dirigentes do novo clube terão de ultrapassar para dar uma casa ao seu projecto. Em concreto, não tinha nada a ver com futebol. Nem com baseball. Não oferecia uma única citação de fanáticos dos Yankees, ou dos Mets. Esses eram pormenores irrelevantes - o braço-de-ferro entre os dois gigantes nova-iorquinos, em que um claramente ganhou e o outro (evidentemente) perdeu, era um detalhe, uma curiosidade. A rivalidade estava lá, subentendida, mas não era importante o suficiente para merecer mais do que um elegante piscar de olhos: "A parceria Manchester City/Yankees, que sem dúvida antagonizará os Mets..."

Por sorte, apanhei uma interessante peça da jornalista Nancy Armour da Associated Press, que à boleia do novo clube de futebol inventado pelos donos do City e os donos dos Yankees, assinalava as diferenças entre os torcedores na América e na Europa. "O oceano não é tudo o que separa os fãs europeus e americanos", apontava.

O fenómeno da paixão desmedida pelo esporte pode ser constatado de um lado e do outro do Atlântico, reparava a jornalista, mas na América era impossível replicar a "mistura tóxica de cultura, ideologia, proximidade geográfica, economia e álcool" que define a loucura futebolística europeia.

Um sociólogo da universidade de Michigan, Andrei Markovitz, explicava as diferenças com um exemplo concreto. "Quando o Barcelona joga contra o Real Madrid, não é só futebol, é a Guerra Civil Espanhola. As mais profundas rivalidades americanas - Lakers-Celtics, Yankees-Red Sox, Giants-Dodgers - só têm a ver com esporte, não há nada de politicamente incorrecto nesse confronto", justificou.

A diferença pode também explicar-se pela hegemonia do futebol na Europa, face a uma maior distribuição das paixões esportivas na América, onde o futebol americano, o baseball, o basquetebol, têm muito maior popularidade. E pelo facto de não haver um sistema de clubes idêntico ao europeu: o torcedor do Barcelona é sempre pelo Barcelona - no futebol ou no basquete. Um americano que queira torcer pela sua cidade, tem de gritar nomes diferentes: Knicks, Yankees, Red Bulls, por exemplo, se for de Nova York. Uma trabalheira.


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