Folha de S. Paulo


Os clichés do futebol

No futebol, a história repete-se tantas vezes que, por mais que se deseje, certos clichés jamais vão desaparecer do relato e do comentário esportivo: que é a "regularidade" que garante campeonatos; que as finais se resolvem "nos detalhes"; que há partidas que se vencem "num golpe de génio" de um jogador e empates que se desfazem pela equipa que teve "a sorte do jogo".

Escrevo isto a propósito das duas derrotas amargas que o Sport Lisboa e Benfica sofreu em apenas quatro dias, já no período de descontos, e que comprometeram irremediavelmente uma época que poderia ter sido de sonho para o clube da Luz.

Primeiro, contra o rival Futebol Clube de Porto, quando o clube encarnado foi ultrapassado na liderança do campeonato nacional a uma jornada do fim graças a um remate do brasileiro Kelvin. E depois, na quarta-feira, contra o Chelsea FC, o Benfica viu a esperança num promissor prolongamento para decidir o vencedor da Liga Europa quebrada com um cabeceamento no minuto 92 que entregou a taça aos londrinos.

Não existem "vitórias morais", diz outra das máximas da análise da bola, ganha sempre quem marca mais golos e não quem joga melhor ou mais bonito - num país que perdeu a copa europeia de 2004 numa final contra a Grécia, já nem torcemos muito o nariz quando engolimos essa verdade tão azeda.

Dizer que "nem sempre ganham os melhores" não é, necessariamente, uma manifestação de mau perder ou um desprezo ou desrespeito do vencedor. É simplesmente reconhecer - ou privilegiar - outras componentes do jogo que ocasionalmente não se traduzem no resultado final.

Às vezes, quando se diz que um resultado foi "injusto" ou que perdeu a equipa que "foi melhor" não se está a tirar o mérito a quem ganhou - está a dizer-se a verdade. Porque se é certo que, para as contas, o que interessa é o número de golos e o número de pontos que uma equipa marca, também é importante - e não devia ser irrelevante ou despiciendo - salientar o entusiasmo, a espectacularidade, a qualidade, o talento, a estratégia que é demonstrada em campo.

As torcidas explodem de felicidade quando todos esses elementos se conjugam para garantir a vitória do seu time. Mas não deviam esmorecer de tristeza quando, por causa de um detalhe ou de um azar, a sua equipa acaba injustamente derrotada apesar de ter sido aquela que jogou melhor.

Saber ver essa diferença é fundamental para garantir a alegria no futebol e a sã convivência dos adeptos e claques dos diferentes clubes. Fiquei contente com as declarações dos jogadores e torcedores do Chelsea, que depois de conquistarem a Liga Europa reconheceram que foi o Benfica que jogou melhor, e também que os benfiquistas tenham dado os parabéns merecidos aos vencedores. E fiquei satisfeita que a família encarnada tivesse enxugado as lágrimas para receber o time derrotado com aplausos e incentivos, à chegada a Lisboa.


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