Folha de S. Paulo


O fim de uma era

Já não vivemos em tempos de homens providenciais, e menos ainda de insubstituíveis, mas depois de 26 anos e 38 títulos à frente do Manchester United, o anúncio da saída de Alex Ferguson do comando técnico do principal time do clube tem o sabor do fim de uma era.

"É a altura certa", justificou o treinador escocês de 71 anos, provavelmente o último da história a ter a confiança e margem de manobra para "construir um clube de futebol" e não apenas uma equipa, como explicou. Depois do choque do anúncio (mesmo se a possível reforma fosse capa de tablóide a espaços), a transição foi pacífica. O seu compatriota David Moyes ruma a Old Trafford com comendas e elogios, ao fim de onze anos de trabalho no Everton. O contrato que assinou é válido por seis anos - será capaz de o renovar quatro vezes?

Existe algo de "antiquado" e "encantador" na manutenção de um treinador durante um quarto de século: é algo de profundamente contraditório com este quotidiano em que vivemos a alta velocidade. Mas nada na irrepetível carreira de Alex Ferguson no Manchester United (como também, em menor grau, na de David Moyes no Everton) remete para esse casulo onírico passado, para os "outros tempos" que guardamos na memória como a época encantada em que tudo era mais "simples", mais "bonito", mais "genuíno"...

Para mim, aquilo que é verdadeiramente impressionante na carreira de Ferguson é como, ano após ano e década após década, nunca deixou de desempenhar na perfeição o papel do treinador moderno, sempre foi capaz de ser o homem do seu tempo. Depois de 39 anos no banco, 2154 jogos profissionais, não parece velho, nem farto, nem ultrapassado, nem demodé - não há aqui nada de dramático, nada de violento ou constrangedor, porque Ferguson sai por sua vontade, pelo seu pé, nos seus próprios termos, um campeão inchado e não um técnico castigado, descartado pelo tempo ou os resultados.

Essa é a sua principal vitória. Improvável vitória, além do mais, porque não se trata de ganhar ao tempo (ou, numa versão mais prosaica, de ganhar tempo) para demonstrar o seu valor. O mérito do técnico do Manchester United foi o de saber - sempre - interpretar o seu tempo. E, num esporte com 150 anos de vida, o seu tempo é o das mais complexas e profundas transformações em todos os aspectos e envolventes do jogo: da preparação física dos futebolistas às tácticas e modelos de jogo; da organização e financiamento dos clubes ao número e regras das competições internacionais.

Ao longo da sua carreira, Ferguson foi capaz ou de prever, ou de desenhar ou de adaptar-se às incríveis mudanças esportivas, organizacionais, comerciais do futebol dos últimos 40 anos. Será sempre possível discutir se foi, ou não, o melhor treinador do mundo. Mas para mim essa discussão é irrelevante. Alguém conhece uma outra carreira comparável? Alguém acredita ser possível outra carreira assim?


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