Folha de S. Paulo


Um jogador de basquete negro e gay

Para se ter melhor ideia da importância e do impacto da entrevista do jogador de basquetebol da NBA, Jason Collins, que assumiu publicamente a sua homossexualidade, basta pensar que os jornalistas da Casa Branca acharam por bem pedir um comentário ao Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante uma conferência de imprensa onde se discutiram temas como a guerra na Síria ou a greve de fome dos prisioneiros do campo militar de Guantánamo.

Não é exactamente questão da mesma magnitude, e mesmo assim Obama deu o seu comentário, elogiando a "coragem" demonstrada pelo atleta e ao mesmo tempo o progresso da sociedade americana no reconhecimento da "igualdade total" de gays e lésbicas --não apenas a tolerância, mas a certeza que estão plenamente integrados no que descreveu como "a família americana".

Tudo bem, sabe-se que Obama é um aficionado do basquete --e é verdade que foi a última questão da conferência de imprensa, depois de já se ter passado revista de todos os temas quentes da agenda política nacional e internacional. O Presidente estava a abandonar o pódio quando alguém lhe perguntou sobre Collins: já tinha saído uma declaração oficial na véspera, e mesmo assim Obama voltou para trás e falou sobre o tema.

"Sou negro e sou gay", disse simplesmente Jason Collins --que não é o primeiro atleta de alta competição a revelar que é homossexual, mas é o primeiro profissional ainda no activo a quebrar esse tabu, verdadeiramente uma derradeira fronteira no universo do esporte de alta competição.

As matérias relacionadas com a igualdade da população LGBT são encaradas na América como a grande luta dos direitos cívicos da actualidade. O mais significativo na explicação de Collins, condensada naquela simples frase, é que o seu argumento aponta tanto para a questão sexual como racial. Muitas figuras públicas que escolhem afirmar a sua sexualidade dizem ser impossível continuar a comportar-se como alguém que sofre de dupla identidade. Para Collins, como tantos outros, esse era um problema --e, claramente, o facto de ser também negro tornava o seu "sacrifício" ainda mais pesado.

Como ouvi alguém dizer, com o seu artigo na Sports Illustrated, Jason Collins permitiu que muitos atletas gay, brancos e negros, respirassem de alívio, e ganhassem mais confiança para ultrapassar obstáculos com que ainda se deparam na sua vida profissional (nesse aspecto, é de salientar o "pioneirismo" da liga de basquetebol em termos de aceitação do progresso social: todos se lembram do regresso à competição de Magic Johnson depois de ter anunciado ser seropositivo).

Charles Barkley, o antigo all-star da NBA que descobriu uma nova vocação como comentador esportivo, notava na ESPN que todos os jogadores já treinaram e já jogaram com colegas gay, sem qualquer problema: as palavras de encorajamento e as declarações de apoio que Jason Collins recebeu de tantos companheiros da NBA, de Jason Kidd a Kevin Garnett, Kobe Bryant ou LeBron James, parecem confirmar que não existe qualquer discriminação.

Muitas vezes, explicou Barkley, o preconceito com que são tratados os atletas gay não têm nada a ver com "questões de vestiário", de mau ambiente entre os seus pares, mas sim do desrespeito e da intolerância que a sua orientação sexual merece por parte dos dirigentes dos times ou das cúpulas das ligas profissionais, que acham que a homossexualidade de um jogador "prejudica" o seu negócio. Ou então, por parte dos próprios fãs do esporte, que reproduzem e perpetuam estereótipos sem qualquer ligação com a realidade.

Três dias antes de sair o artigo de Collins, os figurões das 32 equipas que participam no sorteio de contratações para a próxima época da liga de futebol americano NFL, deixaram sem contrato aquele que seria o primeiro jogador profissional de futebol americano abertamente gay.


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