Folha de S. Paulo


Ejaculação precoce

Comecei esta coluna há poucos meses, com a intenção de compartilhar impressões digitais. As do tipo etéreas, para as quais o mundo virtual convida. Oportunidade de falar com pessoas dispersas sobre nódoas que se formam nas bifurcações que a vida exibe. Abertura para discutir questões de fundo, escapulindo da fácil rabugice da corrupção, desalento institucional e business as usual.

Falei um pouco. Do equilíbrio da vida doméstica e afetiva em relação ao trabalho. Da tese freudiana de que a vida se compõe apenas de amor e trabalho. E de que cada destes não reconhece a existência do outro.

Pensei na questão da ambição desmedida e nas sereias odísseas que sibilam pelo dinheiro e poder. Os assovios diáfanos do capitalismo ainda selvagem que convidam a tripudiar assim que o jogo –o do vil metal– está concluído.

Agora, me vejo encurralado pelas mesmíssimas questões que aqui coloquei. Escrevi sobre um das minhas paixões (e indignações) a educação, e seu anacronismo, na Folha impressa.

A seção, "Saber", foi descontinuada depois de alguns anos, e minha coluna deixou de ter razão de existir. Creio ter falado o suficiente e não imagino retomar a toada em outro veículo ou mídia. Todos nós temos poucos recados a dar na vida, e eu já estendi demais minha estada no palanque dos palpiteiros.

Nesta Folha.com eu tinha um compromisso com o jornal, que estava atrelado umbilicalmente à coluna no "Saber". Esta se encerrou. Criei também um compromisso com o leitor digital, de explorarmos juntos a pequena intersecção entre dinheiro e vida particular.

Chegou o momento de reconhecer que as minhas intersecções estão a criar colisões. Estou com quatro projetos de expressão (emocional, afetiva, intelectual) na prateleira. E estes começam a piscar, âmbares, para mim.

Estão em rascunho ou desenvolvimento um monólogo sobre o mesmo tema (uma peça sobre o homem que ia ser, mas resolvi evitar). Um pouco do Garrincha e do fiz que fui, não fui, mas acabei fondo.

Também um livro contando a história da nossa escola, Lumiar, que hoje é comandada pela minha linda esposa (e que, portanto, ficou muita mais linda como escola). Também um romance sobre a Dinamarca e seu tratamento dos judeus na 2a Guerra, acoplado à história verdadeira de palestinos refugiados lá nos anos 90.

Por último, (por ora) uma exposição de esculturas que usa meu lado artista, e que, quando o descobri inepto, reformatei. Com a terceirização que aprendi no mundo business. Ou seja, contratando artista para dar forma às minhas ideias, e práticos para produzirem o que não tenho talento para fazer. Um artista completamente terceirizado.

Some-se a isto quatro novas empresas, uma entidade nacional para inovação na educação da rede pública, um hotel novo em Campos do Jordão (lindo, junto com linda esposa) e um fundo de investimentos. Também continuam as palestras (esta semana em Moscow e no Rajastão). Assim, sou réu confesso da minha primeira (emulando Ziraldo) ejaculação precoce.

Preciso suspender (forma sorrateira de evitar falar em cancelamento, tese de hermenêutica) a coluna digital. Não encontrei no mundo virtual, ainda, microfone que orne com minha voz. Não tenho Twitter ou Facebook ativos, não encontro algo muito abaixo desta superfície. Há de ter, e haverá, mas está numa gestação turbulenta e obscura, e não me sinto contribuindo de forma relevante.

Recolho-me à clareza das brumas que meus projetos todos irradiam e, especialmente, ao convívio cuidadoso que esposa amada e cinco filhos cintilam.

Estarei de volta de alguma forma, se o passado é guia. Por enquanto, agradeço, de coração, a audiência e comentários (a quase totalidade foi de apoio ou intercâmbio inteligente), e deixo a intenção de continuar procurando uma veia mútua. Da próxima vez, com ereção intelectual prolongada.


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