Folha de S. Paulo


Dilma e seus dilemas

Manchete de alguns dos principais veículos de comunicação do mundo, o esquema de sabotagem tributária praticado por bancos e multinacionais dá ideia dos desafios colocados para governos como o de Dilma Rousseff. A reportagem é produto de uma ação colaborativa de jornalistas de diversos países.

No Brasil, Fernando Rodrigues, do UOL, orientou o trabalho investigativo e a publicação da papelada. O resultado mostra números estarrecedores, com a licença do adjetivo tão caro à presidente (o conjunto do material está disponível aqui ).

Para falar apenas daqui, em 2008 e 2009 os bancos Itaú e Bradesco "economizaram" R$ 200 milhões em impostos graças a um esquema montado num paraíso fiscal europeu ""Luxemburgo. Formalmente, a negociata atende pela rubrica de elisão fiscal, eufemismo usado por bilionários para explorar brechas da lei com o objetivo de fugir de tributos. A sutileza obviamente não está ao alcance da maioria trabalhadora e assalariada: esta é mordida pelo Leão diretamente no holerite.

A essência da jogatina é declarar lucros muito menores do que os obtidos. Uma imoralidade completa. Para "lavar" a mentira, os grupos entram em acordo com empresas de auditoria para desbravar os caminhos da "elisão fiscal".

No momento seguinte, as mesmas firmas de controle endossam os balanços dos clientes. A promiscuidade lembra a tabelinha entre agências de risco, auditorias e a banca internacional que desembocou na crise de 2008. Vários nomes, aliás, aparecem nos dois momentos. Uma diferença: enquanto em países como os Estados Unidos e Grã-Bretanha a banca tem sido obrigada a devolver ao menos parte dos prejuízos, por aqui nada acontece.

Os sonegadores, claro, juram respeitar a Justiça. É o cinismo vendido como verdade. Citam em sua defesa uma lei escrita a quatro mãos com o paraíso fiscal justamente para atender a interesses do tubaronato multinacional. "Trata-se de mais um planejamento tributário internacional abusivo, com o único propósito de gerar redução dos impostos", resumiu o subsecretário de Fiscalização da Receita, Iágaro Martins (Folha de S.Paulo, 06/11).

Além de mostrar o tamanho do problema, semelhante avaliação de uma autoridade oficial torna ainda mais incômodo o silêncio dos altos escalões do governo Dilma diante destes descalabros. Pior.

Em vez disto, a presidente reeleita e seus auxiliares vêm entoando músicas para agradar o tal mercado. Fala-se em cortar gastos, em ampliar a fiscalização sobre benefícios da Previdência e reduzir a ação de bancos públicos.

Nada se ouve a respeito de demandas sociais e, por exemplo, da cobrança de multas bilionárias como a devida pelo Itaú por conta da fusão com o Unibanco. Já os bancos continuam batendo recordes de lucratividade enquanto a economia do país patina.

O Planalto pode tentar fazer os malabarismos habituais para adiar medidas a favor do povo que o elegeu. Invocar a governabilidade, a necessidade de acordos com a base aliada etc. são platitudes habituais. Tampouco imagina-se que a montagem de um governo seja simples como a troca de diretoria de clube de futebol.

Mas os sinais são importantes, sobretudo na política. E é impossível manter compromissos com a maioria mais pobre sem que os ricos aceitem abrir mão de ganhos imorais. A conta não fecha. Na sua estreia, o maior risco da nova administração não é o de desagradar a oposição. É o de perder o pé da situação.


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