Folha de S. Paulo


Delatores da Lava Jato não mostram arrependimento dos seus crimes

Rodolfo Burher - 20.jun.2015/Reuters
Marcelo Odebrecht (R), the head of Latin America's largest engineering and construction company Odebrecht SA, and Otavio Marques Azevedo (L), CEO of Brazil's second largest builder Andrade Gutierrez, are escorted by federal police officers as they leave the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, June 20, 2015. Brazilian police on Friday arrested Odebrecht and accused his family-run conglomerate of spearheading a $2.1 billion bribery scheme at state-run oil firm Petrobras. Police also apprehended Azevedo as the probe into corruption at Petrobras spread to the highest level of Brazilian business. REUTERS/Rodolfo Burher ORG XMIT: BRA107
Marcelo Odebrecht e Otávio Marques Azevedo, escoltados pela Polícia Federal

Condenado a 18 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, o ex-presidente do grupo Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo reapareceu em público na semana passada para falar de sua experiência num evento em Curitiba.

"Quem convive comigo sabe do que eu fiz e do que eu não fiz", disse o executivo, ao responder à pergunta de um homem na plateia que lhe cobrou arrependimento. "É o que eu faço no meu dia a dia que pode dizer se eu tenho arrependimento ou não."

Após quase oito meses atrás das grades, Azevedo voltou às ruas no início do ano passado, quando finalmente aceitou colaborar com a Operação Lava Jato e vestiu a tornozeleira eletrônica para poder cumprir pena em casa, longe da cadeia.

Seu desconforto com os crimes cometidos no passado lembra o exibido por outros empresários quando se viram frente a frente com os procuradores da Lava Jato e foram obrigados a reconhecê-los.

Marcelo Odebrecht disse que só pagou propina porque sucessivos governos ergueram obstáculos para dificultar a realização de objetivos legítimos do seu grupo empresarial e extrair dele vantagens indevidas.

Joesley Batista adotou discurso parecido. A corrupção sempre foi o preço para fazer negócios no Brasil, e não uma escolha, como ele disse em seus depoimentos e nas entrevistas que concedeu após fechar acordo de delação premiada.

Mas as confissões dos delatores mostram outra coisa. Há episódios em que a cobrança de propina só ocorreu depois que eles tomaram a iniciativa de ir ao governo e ao Congresso pedir benefícios para suas empresas e a criação de barreiras para seus concorrentes.

Há nos relatos dos empresários delitos que ocorreram sem participação de políticos ou funcionários públicos. Dinheiro desviado da Odebrecht e da JBS foi usado para pagar bônus e outros agrados a executivos. A Odebrecht pagou por fora o dono de uma empresa adquirida pelo grupo certa vez, e fez isso por sua conta e risco.

Joesley soa mais sincero nas suas conversas privadas com os executivos do grupo J&F do que nos depoimentos prestados à Lava Jato. Os diálogos mostram como ele tentou manipular os procuradores durante as negociações de sua delação premiada e indicam que fez isso até o fim, o tempo inteiro calculando quanto precisava contar para obter um acordo e quanto podia esconder.

"Nós não vamos fazer rolo mais nunca", disse Joesley a seus parceiros em março, conforme uma das gravações que entregou depois às autoridades.

Será? O diálogo mostra que não se tratava de arrependimento, mas de uma constatação: assim que sua delação se tornasse pública, ninguém mais confiaria nele no mundo dos negócios. O que ninguém sabe é como Joesley lidará com esse problema daqui para frente.


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